Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 27/10/2010

Evangélicos escorregam na baixaria da campanha eleitoral

Evangélicos foram usados na campanha eleitoral como “bucha de canhão”, numa guerra que recorreu à retórica que sempre foi muito bem aceita nesse segmento - a luta do “bem” contra o “mal”. A análise é do teólogo e professor Leonildo Silveira Campos, da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).

Por Edelberto Behs

A luta contra o aborto, o casamento ou a união entre pessoas do mesmo sexo juntou segmentos conservadores do lado evangélico e do lado católico nestas eleições. A quase totalidade dos 30 milhões de evangélicos brasileiros – há estimativas superdimensionadas que falam em 46 milhões – deixou de ser uma minoria “e passaram a se sentir importantes, numérica e socialmente, impulsionados por uma auto-representação de serem o fiel da balança em tempos de eleições”, avaliou Campos.

Institutos averiguadores das intenções de voto divergem quanto ao papel dos eleitores evangélicos no primeiro turno das eleições presidenciais. Pesquisa do Ibope pós 3 de outubro concluiu que o voto religioso teve papel decisivo para levar o pleito ao segundo turno.

“A queda de Dilma (Rousseff, candidata do Partido dos Trabalhadores – PT) na véspera do primeiro turno começou entre os evangélicos e depois se estendeu aos católicos. O principal motivo foi a campanha em templos e igrejas contra o voto na candidata por causa da legalização do aborto, defendida pelo PT”, escreveu o repórter José Roberto de Toledo, de O Estado de São Paulo, ao analisar a pesquisa do Ibope.

O DataFolha realizou pesquisa no dia 8 de outubro e detectou que apenas 3% dos entrevistados que declararam ter religião receberam orientação da igreja para não votar em algum dos candidatos à presidência da República. É indiscutível, contudo, o mar de votos que a candidata do Partido Verde (PV), Marina Silva, ela própria seguidora da Assembléia de Deus, recebeu do contingente evangélico. Foram 19 milhões de votos!

Segundo o Ibope, Dilma teve o voto de metade dos católicos, mas de pouco mais de um terço dos evangélicos, empatando, no segmento, com o candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), José Serra. Marina levou a eleição para um segundo turno e declarou neutralidade.

Outra análise de José Roberto Toledo e de Daniel Dramati para O Estado de São Paulo mostrou que Marina teve mais de 15% dos votos válidos em 1.003 municípios, concentrados em cidades grandes e médias dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

A concentração de votos da candidata do PV foi acima da média nas capitais e cidades com mais de 100 mil habitantes na Região Sudeste. Segundo o Ibope, nesses locais concentram-se cerca de 51% dos eleitores evangélicos do país.

Além dos evangélicos, Marina recebeu o voto de setores da classe média sensível à agenda ambiental. Agora, nem todos os votos depositados em favor da candidata do PV foram de evangélicos e de católicos. Apoiaram-na 22% de eleitores ateus, agnósticos ou seguidores de outras religiões.

A pergunta é para quem migrarão os votos de Marina Silva no segundo turno? Dilma e Serra flertam com os evangélicos. A candidata do PT prometeu a 51 líderes evangélicos reunidos, no dia 13 de outubro, com ela e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, vetar teses polêmicas previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos III, dentre elas a discriminalização do aborto.

O senador reeleito pelo Partido Republicano Brasileiro, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) Marcelo Crivella, afiançou que “padre e pastor podem ter dificuldade para pedir votos, mas tiram fácil, fácil”. Fato é que a batalha furiosa pelo voto dos evangélicos chegou também aos púlpitos e veículos de comunicação de massa que igrejas desse segmento detêm.

O líder da IURD, bispo Edir Macedo, defende a candidatura Dilma Rousseff. O pastor Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, engaja-se na campanha de José Serra. Os dois travam um ferrenho duelo e trocam acusações na internet e em jornais, na defesa dos seus candidatos.

Macedo indagou, no seu blog, o que teria levado Malafaia a trocar de lado nessa eleição. “Para justificar que não apoiaria a candidata Dilma, acusou o PT de ser a favor do aborto e apoiar o casamento de homossexuais. Pronto, o caminho estava aberto para, sabe-se lá com que interesse, apoiar o candidato Serra”, afirmou o bispo Edir, lembrando, ainda, que a esposa do candidato do PSDB, Mônica Serra, teria feito um aborto.

O troco veio com uma postagem de Malafaia no youtube, chamando Macedo de mentiroso e vendido ao governo. “Você tem gasto bilhões, dízimo e ofertas do povo de Deus, que você tem injetado na televisão para promover prostituição, adultério, homossexualismo, sensualidade, assassinato e roubo. Sua TV é um lixo moral”, acusou.

Na entrevista que concedeu ao Instituto Humanitas, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), o professor Leonildo Silveira Campos relatou que em alguns templos evangélicos foi instalado telão às vésperas das eleições de 3 de outubro e o pastor projetou filme com cenas de aborto e outros temas explorados pela nova direita, evangélica e católica.

Quatro denominações – Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil, IURD e Evangelho Quadrangular – concentram 80% dos evangélicos brasileiros. “São raros os casos em que um fiel frequente exclusivamente os templos de uma igreja”, escreveu o repórter Diego Viana, do jornal Valor Econômico, na matéria “Andar com fé eu vou”.

Para o historiador André Egg, a migração interna entre igrejas evangélicas é mais relevante do que o diálogo ecumênico entre elas. Na mobilidade também residiria a dificuldade de pastor ou bispo “indicar” em quem o fiel deve votar.

Na avaliação do jornalista Moisés Sbardelotto, mestrando em Comunicação Social pela Unisinos, a discussão religiosa nesse período eleitoral mostrou-se “extremamente reacionária e conservadora, apelando para aspectos medievais de um debate que, no fundo, é do âmbito científico, bioético. A religião acabou se destacando como ‘a porta dos desesperados’ políticos, um último recurso – e totalmente desvirtuado – para a vitória política.”

Sbardelatto não acredita que o tema religioso tenha sido a “pauta definidora” do segundo turno, embora admita que religião é um tema importante na sociedade brasileira, relevante, mas não definidor.

Ele trouxe à discussão pergunta interessante: afinal de contas, de que religião se está falando ao discorrer sobre religião? “Pelo que pude observar, estamos falando apenas de setores específicos das igrejas cristãs, especialmente das evangélicas, neopentecostais e católica. A pauta das religiões de matriz africana, por exemplo, foi debatida ou ao menos ouvida?” – indagou.

Não só a pauta das religiões africanas, de igrejas históricas também. Mais comedidos e cientes da responsabilidade que assumem quando falam em nome de suas igrejas, líderes evangélicos históricos recomendam a análise das propostas dos candidatos e dos seus partidos, enfatizando que o voto é livre e deve ser depositado segundo a consciência do eleitor.

O pastor Sandro Amadeu Cerveira, da Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, confessou que talvez tenha falhado nessas eleições, porque ele ficou com a impressão “de ter feito pouco para desconstruir ou pelo menos problematizar a onda de boataria e os posicionamentos ‘ungidos’ de alguns caciques evangélicos”.

Certo é que não há homogeneidade no voto evangélico. Ele não parece ter o peso que a mídia pretende que tenha. O sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira relativizou a importância do voto evangélico. Ele lembrou que muitos bispos e pastores evangélicos foram candidatos, mas não se elegeram.

A baixaria no processo eleitoral delimitou o campo de batalha entre o PSDB e o PT no segundo turno, numa briga em que evangélicos também entraram e desempenham um papel na arena política. Mas a um preço elevado, de agressões mútuas, que descarta completamente a admoestação de Jesus para que todos os que Nele crêem sejam um.


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