Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

Ética ou controle


Ética ou controle


Pesquisa do Ibope revela que brasileiro é conivente com a corrupção


Marcelo Medeiros


Mensalão, favorecimento de amigos, absolvição de culpados. Esses são apenas alguns dos males que aparecem na política nacional, com velhos ou novos nomes, de tempos em tempos. Desde a redemocratização, a partir de quando tornou-se possível falar livremente sobre o assunto, o país parece viver uma crise política sem fim.


Especialistas dizem que isso é reflexo do comportamento da própria população, tolerante com a corrupção não só dos governantes, mas também com a que ela mesma pratica. Ao mesmo tempo, afirmam que o cidadão estaria, na verdade, confuso diante do atual quadro político. O resultado disso é a baixa confiança nas instituições e na política como ela é feita atualmente.


Pesquisa apresentada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) no 2º Congresso Brasileiro de Pesquisa, realizado em março, revelou um quadro preocupante. O estudo "Corrupção na política: eleitor vítima ou cúmplice?" mostra que o brasileiro é conivente com a corrupção, apesar de tanto reclamar dos atos do governo. A tolerância poderia ser justificada por outra verificação da pesquisa: os brasileiros também praticam atos ilícitos em quantidade e declaram estar propensos a fazer o mesmo se ocupassem cargos públicos.


O instituto questionou os entrevistados em relação ao seu comportamento caso fizessem parte do Legislativo ou do Executivo. Setenta e cinco por cento afirmaram que cometeriam algum deslize ético se estivessem no poder. Entre eles, contratar pessoas e empresas de familiares sem concurso ou licitação; pagar despesas pessoais com dinheiro público; aproveitar viagens oficiais para lazer próprio e de familiares; trocar o voto por um cargo para si, um parente ou um amigo e até fazer caixa 2 para garantir vitória na eleição.


A pesquisa também quis saber se os eleitores já transgrediram alguma lei ou descumpriram alguma regra contratual para obter benefícios materiais, e 69% disseram que sim. O Ibope perguntou ainda aos entrevistados se eles cometeriam ao menos um de 13 hipotéticos - embora corriqueiros - atos de corrupção. Entre as infrações listadas figuravam: oferecer suborno para escapar de punição, sonegar impostos, falsificar documentos, fraudar seguros e comprar produtos roubados.


A maioria dos entrevistados, os tais 69%, declarou que cometeria ao menos um dos 13 atos se tivesse oportunidade e 98% disseram conhecer alguém que os faça. A compra de produtos piratas lidera a lista de crimes: 55% disseram que poderiam adquirir um. O segundo item mais apontado, com 14% de indicações, foi o ato de "dar caixinha ou gorjeta para se livrar de multa".


Os números subiram bem mais quando os entrevistados responderam sobre o conhecimento de alguma pessoa que tivesse praticado qualquer uma das duas irregularidades acima. Os índices pulam para 70% e 44%, respectivamente. O aumento é justificado pelo maior conforto dos respondestes em falar de outros em vez de si mesmos.


Mesmo assim, 64% dos 2001 entrevistados acreditam que o brasileiro é honesto e 72% consideram "grave e inaceitável" dar "caixinha" para se livrar de multa. Por outro lado, 82% dizem que a classe política destoa dos brasileiros, pois a considera desonesta. O número reforça os resultados de uma outra pesquisa, feita anualmente por outro instituto, o Gallup, sobre confiança nas instituições. No ano passado, apenas 11% dos brasileiros disseram confiar em partidos políticos e 18%, no Congresso Nacional. Os números do Ibope também revelam a desesperança do brasileiro em relação à política. Para 56% das pessoas, nada vai mudar depois de tantas CPIs e processos. A metade, 28%, acredita que a situação vai melhorar.


Para os pesquisadores do instituto, os resultados da pesquisa mostram que o brasileiro é condescendente com a corrupção. "Partimos da hipótese de que a maioria dos brasileiros já havia descumprido a lei ou burlado um contrato conscientemente e a confirmamos", diz Márcia Cavallari, diretora-executiva do Ibope Opinião. Ela conta que a idéia de fazer esse levantamento veio de outros trabalhos realizados pelo instituto, cujos resultados apontavam nessa direção. Cavallari afirma não ter ficado surpresa com a conclusão da pesquisa sobre corrupção, justamente por causa das anteriores. "Há muito tempo tínhamos essa impressão de que, além de praticar atos ilegais, também o faríamos se estivéssemos no poder".


No entanto, há quem acredite que os números podem ser lidos de outra forma. "Discordo da interpretação do Ibope", afirma o jornalista Cláudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, voltada para o combate à corrupção no país. "Atos diferentes não podem ser examinados da mesma maneira". Para Abramo, os 13 atos listados na pesquisa têm variados níveis de gravidade e, além disso, algumas respostas podem levar a diferentes conclusões. "A conclusão a que o Ibope chegou é fácil demais e as respostas são ambíguas justamente porque essas situações não são assim, ?preto-no-branco?", diz. Um dos exemplos se refere ao fato do brasileiro se declarar honesto ao mesmo tempo em que afirma estar propenso a cometer atos ilícitos.


O jornalista acredita que os brasileiros são confusos em relação ao que é um crime grave ou não, conclusão a que chegou também a diretora-executiva do Ibope Opinião. "Não se percebe se um ato é ético ou não, o que produz um paradoxo", ela explica. "Ao mesmo tempo em que se cobra comportamento correto de governantes, esses procedimentos não são adotados no dia-a-dia. De outras pesquisas tira-se que o brasileiro pensa que ?se a situação geral é injusta, não há nada demais em praticar um ato desonesto?. É o velho argumento de que ?se todos fazem, por que eu não posso fazer??".


A Transparência Brasil faz pesquisas sobre compra de votos em todas as eleições. Ao mesmo tempo, pergunta sobre a satisfação dos eleitores em relação aos então governantes. A última coleta de dados, feita em 2004, mostra que boa parte daqueles que acreditam em atos ilícitos cometidos pelo Executivo crêe, ao mesmo tempo, ter havido um bom governo. E 49% dos que acham que o governo seguinte roubará também afirmam vislumbrar um bom governo. "Ou seja, parte dos eleitores convive com a idéia de ?rouba-mas-faz?, porém a maioria acredita que o bom governo não rouba".


Juventude


Diante desses dados, vale perguntar também como fica o futuro do país. A mesma pesquisa da TB mostra que dentre os brasileiros que disseram ter sido assediados para vender seu voto (9% do eleitorado), a faixa etária mais presente é justamente a dos jovens. Para Abramo, a descrença da juventude na política é um fenômeno mundial, mas pouco se pode aferir dos dados de sua instituição, pois não houve um módulo qualitativo. Os dados do Ibope afirmam que jovens aceitam mais a corrupção do que as pessoas mais velhas.


Desesperança? Talvez não. Outra pesquisa, esta feita pelo Ibase em parceria com o Instituto Pólis, aborda o envolvimento dos jovens com a política. O estudo partiu do princípio de que política não se faz apenas por meio de votações e envolvimento com partidos, mas também pela participação em grupos culturais, associações comunitárias etc. Os dados coletados com mais de oito mil pessoas de 15 a 24 anos moradoras de regiões metropolitanas mostram que 28% delas estão engajadas em algum grupo e 80% dizem se interessar pela política tradicional.


A pesquisadora do Ibase Patrícia Lanes afirma não ser possível afirmar se esses índices são altos ou baixos, pois não há um outro estudo semelhante em qualquer outra época. "Há sim uma idealização em relação aos ano 60, mas ninguém sabe realmente quem participava. Havia um envolvimento da classe média, sim, mas e o resto?", pergunta.


Para ela, é preciso olhar as razões pelas quais o jovem não participa ainda mais da política. Entre os motivos apontados pelos entrevistados na parte qualitativa do estudo sobre esse não-envolvimento estavam problemas objetivos do jovem de hoje. Muitos enfrentam dupla jornada (escola e trabalho) e ainda há falta de incentivo nas escolas para que a juventude se torne ainda mais ativa. "Não existe uma cultura prévia de participação em várias instâncias da vida jovem", lamenta Lanes.


Por outro lado, os jovens não são desesperançosos em relação à política, apenas críticos. Quando uma possibilidade de participação lhes é apresentada, surge interesse. "Eles acreditam na política como forma de mudança. O descrédito está nos políticos, não na política", diz.
A confiança nos políticos, para Abramo, será verificada nas próximas eleições. "É preciso estar atento para a taxa de renovação da Câmara", diz. Em 2002, pouco mais da metade dos deputados era novata em Brasília. "A expectativa é que este ano a renovação seja ainda maior, e isso, por um lado, é ruim, por causa da inexperiência dos novos representantes. É o aumento do ?baixo clero?", critica, referindo-se aos deputados de menor expressão.


Reformas


A questão, no entanto, vai além. Se deputados e senadores, além dos governantes, não desempenham corretamente suas funções, não deveriam ser punidos? Para o presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Fábio Konder Comparato, sim. Em palestra no 1º Ato Público em Defesa da Cidadania e da Democracia, organizado por diversas entidades locais de Ponta Grossa (PR), o jurista declarou apoio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que possibilita a substituição de parlamentares e membros do Executivo no meio do mandato. "O povo precisa ter mecanismos para responsabilizar os poderes públicos", defende.


Comparato acredita, porém, que para a PEC ser bem sucedida será preciso haver uma mudança na mentalidade da população. "Essa proposta exige uma educação cívica e uma mudança de mentalidade na nossa ética, no nosso trato com a vida pública. É um trabalho longo que precisa ser começado, a fim de que a sociedade civil se organize e faça pressão sobre os poderes públicos. Somente com pressão popular há avanços. Hoje os partidos trabalham para exercer o poder, quando na verdade eles devem funcionar como auxiliares do povo", afirmou.


Para Abramo, as mudanças precisam ir além. Segundo o jornalista não adianta apenas reformar instituições, é necessário também realizar um trabalho de prevenção e de aumento de eficiência do Estado. "Corrupção é retrato da ineficiência. A questão não é falar apenas em ética no Brasil, pois corruptos existem em todos os lugares do mundo. O problema é o que lhes permite agir dessa forma", critica. O diretor da Transparência Brasil diz ser preciso "apertar" as normas e intensificar as ações preventivas. Como exemplo de como isso pode funcionar, cita a alteração de funções da Corregedoria Geral da União. Antes, ela era responsável somente pela fiscalização das ações do Estado, mas desde o fim do ano passado também é encarregada de traçar planos de prevenção de más ações. "Combatemos a crise ética não através da perspectiva moral, mas das regras", conclui Abramo.


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