Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

entrevista Luis

 

Um diagnóstico das instituições metodistas de educação

O Prof. Rev. Luis de Souza Cardoso, Diretor Superintendente do COGEIME - Instituto Metodista de Serviços Educacionais - fala sobre a situação das escolas metodistas e da Rede Metodista de Educação

A Rede Metodista de Educação foi criada pelo Concílio de 2006. Até agora, o que já mudou no modo de organização e gestão das instituições metodistas de ensino? E o que falta mudar?

O processo de implantação da Rede não é algo simples e nem fácil. Exige mudança da cultura de individualismo e autonomia organizacional, que, em linhas gerais, tem caracterizado historicamente o desenvolvimento de nossas instituições. As decisões de criar a Rede são recentes (2006) e há uma distância entre a vontade expressa nas referidas decisões e sua implementação de fato, cuja complexidade exige muito empenho político e administrativo de todas as partes envolvidas. Não é possível constituir uma Rede somente com base na legislação; ela é parte importante, mas, não é tudo. É necessário muito diálogo, negociação e um delicado processo de mudança na cultura organizacional, como já afirmamos, que passa fundamentalmente pela alteração da mentalidade e do modo como as pessoas envolvidas compreendem e trabalham a nova organização a ser alcançada.

Pelas decisões e a legislação delas derivada, o COGEIME ganhou novas e complexas atribuições, quais sejam, de ser o "órgão da Igreja Metodista que planeja, coordena, supervisiona, integra, apóia, acompanha e controla, obrigatoriamente, todas as unidades da Rede Metodista de Educação" (Cânones, Art. 167). Contudo, é necessário reconhecer que a autonomia de gestão das unidades não mudou muito nesse período, ou seja, foram mantidos no governo das instituições vinculadas à Área Geral da Igreja, cinco Conselhos Diretores e suas respectivas Direções Gerais, com liberdade decisória conferida pelos estatutos de cada mantenedora.

Nesse sentido, restou ao COGEIME, para tentar o exercício de suas atribuições, apenas o desafio de liderar a busca de entendimento e a construção de vontade política entre os atores, quer sejam eles Diretores Gerais ou Presidentes de Conselhos Diretores, no âmbito dos seus colegiados superiores - o Comitê Executivo Superior (COESU), integrado pelos Diretores, e o Conselho Superior de Administração (CONSAD), integrado por presidentes dos Conselhos Diretores.

Tais colegiados foram implantados e reunidos quase mensalmente nestes dois últimos anos, procurando trabalhar as questões gerais da implantação da Rede e outras mais pontuais das unidades. Em particular o COGEIME atuou diretamente nas situações mais críticas de algumas instituições, buscando caminhos para superar as dificuldades econômicas e de gestão. Em nossa análise, este tem sido um exercício tenso, mas, importante, rico e desafiador. Porém, fica claro, na medida em que acontecem as diferentes discussões, que ainda sobressai claramente, em diversos aspectos, um viés de leitura do particular para o geral. Ou seja, o interesse das unidades acaba sendo maior que o interesse da Rede. Nesse sentido, é preciso ter claro que na formação de Rede é preciso pensar globalmente e agir localmente, fazendo um caminho inverso ao de nossa cultura organizacional, até aqui ainda muito forte, que pensa e age do particular para o geral, do local para o global.

Apesar desses desafios a serem superados, é preciso reconhecer que avançamos nesses últimos anos, em especial porque o quadro econômico-financeiro e de gestão das instituições se tornou bem mais conhecido do COGEIME, dos seus colegiados superiores e da Assembléia Geral das Instituições (COGEAM). Para isso contribuiu significativamente a implantação do serviço de Auditoria Interna da Rede, em substituição aos Conselhos Fiscais, como previsto no Estatuto, com um profissional qualificado para essa função, cujos trabalhos de exames periódicos têm demonstrado por seus resultados, que a iniciativa foi acertada.

Da parte da Assembléia Geral também veio uma providência importante, que foi a fixação de indicadores para análise da gestão das instituições, cujos resultados, comparados com os índices ideais fixados, podem nos ajudar no acompanhamento da situação de cada unidade e nas decisões de correção dos processos. Os indicadores utilizados são os seguintes: margem de resultado operacional em relação à receita líquida; custo de pessoal em relação à receita líquida; percentual de bolsas em relação à receita bruta; volume máximo de endividamento em relação à receita líquida e ao patrimônio líquido; índice de inadimplência em relação à receita anual de caixa.

Com essas iniciativas, embora a responsabilidade pela gestão das unidades ainda esteja diretamente vinculada aos seus Conselhos Diretores e Direções Gerais, na nova estrutura tem ocorrido um acompanhamento muito mais de perto e detalhado por parte do COGEIME, seus colegiados superiores e da própria Assembléia Geral.

A decisão do XVIII Concílio Geral determinou que, transcorridos dois anos (2007-2008), o Colégio Episcopal, a COGEAM e o COGEIME, conjuntamente, deveriam fazer avaliação do processo de implantação da Rede e promover ajustes ou modificações que se fizerem necessárias para o aperfeiçoamento deste modelo de gestão. Isso está em processo de realização.

Estes colegiados superiores entenderam ser necessária, além da avaliação interna, a busca de um olhar externo, independente, para analisar a nossa proposta e projeto de implementação da Rede, com indicação técnica e científica dos ajustes que permitam alcançarmos nosso objetivo. Nesse sentido uma consultoria reconhecida nacional e internacionalmente, com diversas iniciativas de êxito na área educacional, bem como em outros setores, foi contratada e esteve trabalhando todo o segundo semestre de 2008, para analisar a nossa estrutura de governança corporativa e o modelo de gestão em Rede. Dessa avaliação surgirão propostas, decisões e encaminhamentos a serem tomados pelo Colégio Episcopal e COGEAM, com vistas ao aprimoramento e aos ajustes necessários no processo de implementação da Rede Metodista de Educação.

Que diferenças os professores e alunos sentirão nas escolas vinculadas à rede? Quais as vantagens da formação de uma rede?

A natureza da escola é a produção e difusão do conhecimento. O foco de atuação das nossas Instituições deve estar concentrado na educação e na formação cidadã. Evidentemente que isso deve ser feito com o diferencial de uma escola confessional, que busca desenvolver um projeto acadêmico-pedagógico de qualidade, aliando conhecimento científico avançado e difusão dos valores espirituais, ético-morais, a democracia, justiça e paz, na construção do novo ser humano.No caso das universidades, considerando-se também a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, nos termos da legislação de nosso país.

Para que isso seja realizado em sua plenitude, faz-se necessária uma gestão acadêmica e administrativa de qualidade, pautada na busca e conservação da sustentabilidade econômico-financeira, patrimonial, organizacional e política da Instituição. Docentes e discentes precisam ter a tranqüilidade necessária para produzir e reproduzir o conhecimento, desenvolvendo seus afazeres educacionais de acordo com o projeto e as diretrizes da Instituição e da Igreja Metodista.

Nesse sentido, ao buscarmos o aprimoramento da gestão das nossas instituições e a implementação da Rede, desejamos em primeiro lugar criar as condições necessárias para que as escolas, faculdades, centros universitários e universidades possam focar suas energias e empenho no desenvolvimento de uma educação melhor qualificada. Ao desonerarmos as instituições das preocupações e dos esforços com a gestão administrativa e patrimonial, no sentido mais amplo, a organização e atuação integrada na Rede, sob liderança do COGEIME, facilitará a canalização das energias criativas para a finalidade educacional em cada unidade da Rede.

Há diversas outras vantagens na organização em Rede. A própria dimensão da Rede diferença nas negociações com instituições financeiras e fornecedores de bens e serviços, por exemplo, com as compras integradas. Em termos acadêmicos é importante a possibilidade de uma rede de bibliotecas integradas, uma editora que a convergência das áreas de publicação de cada Instituição, o processo seletivo integrado, sinergia nas iniciativas de internacionalização e relações internacionais, a comunicação e o marketing integrado na difusão da "marca" Metodista, que já possui respeitabilidade e reconhecimento em nível nacional na educação, etc. Todos esses aspectos e muitos outros podem nos proporcionar o ganho em escala, a qualificação de processos dentro das melhores práticas, bem como, a sinergia necessária para o nosso desenvolvimento e perenidade.

Para que se tenha uma idéia das dimensões e da força que representa nossa Rede, em 2007 alcançamos uma receita de cerca de meio bilhão de reais, bem como as estatísticas (base março/2008) indicaram que atendemos em torno de 69 mil estudantes, sendo 11 mil na Educação Básica e 58 mil na Educação Superior.

Temos ouvido falar de problemas econômicos envolvendo instituições metodistas de educação? O que provoca esses problemas? Qual o caminho para superá-los?

Os problemas econômico-financeiros de fato existem, mas devemos reconhecer que eles não são exclusividade das instituições metodistas. Grande parte do setor da educação comunitária e confessional no Brasil, sobretudo na educação superior, tem sofrido com o impacto da expansão do setor privado, com preços altamente competitivos, aumento das vagas muito além da demanda, esgotamento do modelo de financiamento baseado exclusivamente nas mensalidades dos estudantes, oscilações econômicas do país nas última duas décadas, excessiva regulação do setor, dentre diversos outros fatores. Também, mais recentemente, tem ocorrido expansão do setor público na educação superior, em menor escala, e praticamente a universalização da oferta pública na educação básica, com busca da ampliação da qualidade.

Nesse contexto complexo nossas instituições não acompanharam com suficiência a profissionalização necessária ao setor, bem como, apresentam fragilidades no modelo de "governança" e pela falta de um planejamento estratégico claro e objetivo para o seu desenvolvimento. Sucessivos resultados negativos em diversas instituições têm causado muita preocupação à Igreja e dificuldades práticas de manutenção às unidades, até mesmo pela inviabilidade da simples manutenção patrimonial. Sem resultado positivo da operação, quaisquer melhorias só podem ser feitas mediante captação de recursos no mercado financeiro, o que em muitos casos tem gerado endividamento crescente. Mais grave ainda quando a captação se faz para manutenção da operação corrente, como o pagamento de salários e outras despesas básicas da Instituição. Essas práticas precisam ser urgentemente revertidas e isso só poderá ser enfrentado pela profissionalização, austeridade nos controles, gestão inteligente e planejada estrategicamente.

Mas, talvez, num contexto mais amplo, o maior problema que tem alimentado as crises de nosso sistema educacional tem sido a falta de projeto e a própria crise de identidade da Igreja em relação à educação, ou seja, falta à Igreja maior clareza do por que possui instituições educacionais e da sua atuação nessa área. Provavelmente, trata-se de uma crise decorrente da perda de memória da íntima e necessária correlação entre educação e Missão, educação e salvação, presente desde os primórdios do movimento metodista, sobretudo na visão de John Wesley e posteriormente dos primeiros missionários, que difundiram o metodismo pelo mundo, chegaram a América Latina e ao Brasil, pautados no binômio Escola-Igreja.

Para superação das dificuldades individuais das instituições, quer sejam de gestão, financeiras e até mesmo acadêmico-pedagógicas, é imprescindível a atuação em Rede. Mas, devemos admitir que a Igreja também precisará fazer a sua parte, reconciliando-se com o sentido da Escola em seu projeto missionário, na linha de suas Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista. Esse documento, embora careça de atualizações, como muitos reconhecem, ainda continua sendo a mais importante baliza da educação Metodista e pode nos ajudar na busca de superação dessa crise de identidade e da relação dicotômica entre Escola e Igreja.

Qual a situação atual do Bennett, cuja propriedade chegou a ser colocada em leilão?

A situação do Bennett ainda é muito difícil, mas a Igreja deu passos importantes na busca de superação da crise e realinhamento dessa importante Instituição. Atualmente o Bennett está sob uma administração integrada com suporte à sua gestão pelo Granbery e IMS. Cada uma das instituições mantém personalidade jurídica própria, mas, o processo de gestão integrada, com os Conselhos Diretores das três sob uma mesma composição, ajuda no acompanhamento estratégico das mesmas. O atual Diretor Geral do Bennett, Diretor do Colégio e Reitor do Centro Universitário é o Prof. Roberto Pontes da Fonseca.

Diversas melhorias patrimoniais básicas têm sido realizadas nos últimos meses, tais como, pintura, reformas de dependências, renovação de mobiliário acadêmico de algumas salas de aula, investimentos em rede de tecnologia informática, com melhorias no atendimento acadêmico ao alunado e corpo docente.

No que diz respeito à gestão administrativa, os novos dirigentes têm se empenhado no seu aprimoramento, por meio da implantação de novos sistemas e qualificação dos quadros institucionais para operar os processos administrativos e acadêmicos. Há um expressivo passivo financeiro a ser saldado, porém negociações e busca de soluções têm sido alvo prioritário dos novos dirigentes institucionais.

Com relação à situação patrimonial, a Secretaria Executiva da AIM - Associação da Igreja Metodista, já há algum tempo divulgou nota oficial na página da Área Nacional da Igreja, na qual informou que as medidas jurídicas necessárias para retomada e preservação do patrimônio do Bennett estão em curso.

E como estão as demais instituições metodistas de ensino superior, médio e fundamental?

No que diz respeito aos aspectos acadêmicos e pedagógicos as instituições continuam bem conceituadas e reconhecidas, procurando cumprir a sua missão educacional. As duas universidades metodistas, de acordo com o Índice Geral de Cursos, do MEC, e do Guia do Estudante, da Editora Abril, estão entre as dez melhores instituições privadas do país e entre as cinco do Estado de São Paulo. Em geral instituições também aparecem muito bem posicionadas em suas respectivas regiões, bem como, com vários cursos com classificação quatro e cinco estrelas pelo referido Guia. Isso mostra que, não obstante quaisquer dificuldades, as instituições estejam enfrentando, a sua área acadêmico-pedagógica, o seu corpo docente e a infraestrutura educacional continuam fazendo a diferença necessária em termos de qualidade acadêmico-pedagógica, o que as posiciona muito bem no campo educacional local, regional e nacional. Isso não significa que não devamos continuar perseguindo sempre o aprimoramento da nossa qualidade, como ponto de honra para a educação Metodista.

É necessário, porém, reconhecer que existem muitos desafios em termos do aprimoramento da gestão administrativa de nossas instituições, particularmente em face das necessidades contemporâneas que exigem um perfil altamente profissionalizado dos quadros de pessoal e grande eficiência nos controles institucionais, de tal modo que sejam capazes de antecipar soluções e evitar crises. Nesse sentido é indispensável hoje um claro planejamento estratégico de curto, médio e longo prazos, bem como uma continuada avaliação do desempenho, que possibilite os ajustes necessários no percurso. O setor educacional está altamente competitivo e exigente, por isso, nossas instituições não podem mais permitir uma gestão amadora. Mesmo que ela tenha a melhor boa-vontade, isso não é suficiente no contexto econômico e tecnológico contemporâneo. Nesse sentido, as instituições e a Rede vêm envidando esforços de qualificação e aprimoramento dos seus processos de gestão.

As escolas metodistas sofrem, por vezes, críticas de serem escolas "elitistas". Em sua opinião, como as escolas metodistas podem se adaptar a um mercado altamente competitivo sem perder os valores sociais e éticos que têm, como escolas confessionais?

Primeiramente, é necessário dizer que esta crítica de que sejam "elitistas" carece de fundamentos e comprovação científica. Em nossa opinião, fruto da observação in loco, por muitos anos de vivência direta nos meios pastorais escolares e universitários, bem como no âmbito administrativo das instituições, é de que as escolas, faculdades e universidades Metodistas não podem ser enquadradas plenamente, stricto sensu, como instituições "elitistas".

Tanto na educação básica como superior atendemos um público muito variado, mas, na sua média tratam-se de pessoas oriundas de famílias das camadas médias da sociedade, compostas em geral de trabalhadores públicos ou privados, profissionais liberais, pequenos e médios empresários. Essa observação é reforçada com as indicações do perfil sócio-econômico que revelam as pesquisas dos processos seletivos, bem como, pela grande demanda por bolsas e financiamento estudantil em nossas instituições, sobretudo nos últimos anos. Devemos nos lembrar que é fato constatado que cada vez mais intensamente as chamadas classes C e D estão chegando particularmente na educação superior e isso não tem sido diferente nas instituições Metodistas.

O fato de serem as escolas Metodistas instituições confessionais, sem finalidade lucrativa, não significa que elas não necessitem buscar sua autossustentabilidade econômica e desenvolvimento. Para isso a principal fonte de recursos provém das anuidades pagas pelo alunado, o que impõem muitas dificuldades em face de riscos como inadimplência e evasão. O processo é bastante delicado e precisa ser tratado com profissionalismo. Não há como manter qualquer projeto educacional que não seja autossustentável economicamente. Porém, isso também não significa dizer que o objetivo das nossas escolas deva ser o enriquecimento financeiro. Aliás, desde o início do movimento educacional Metodista não tem sido essa a meta, mas, sim a de servir a sociedade da melhor forma possível, por meio de uma educação que valoriza o ser humano e a sua formação nos mais variados aspectos. E o metodismo brasileiro soube muito bem interpretar essa visão quando declarou em um dos Planos Quadrienais da década de 70, que, "a Igreja não criou escolas para se servir delas, mas, para com elas servir ao mundo". Não podemos jamais perder essa dimensão, tampouco permitir que nossos projetos educacionais se tornem obsoletos porque deixaram de ser autossustentáveis.

Nesse sentido, temos o grande desafio de buscar sempre a justa medida, que por um lado dê condições de subsistência e desenvolvimento ao projeto educacional e por outro mantenha o caráter confessional, social e ético que tem caracterizado a educação Metodista através dos séculos. Não se trata simplesmente de adaptar-se às demandas do mercado, mas, em tensão dialética buscar caminhos criativos para manter-se num contexto de mercado, extremamente competitivo e até agressivo, com o diferencial da escola confessional Metodista, como já mencionamos.

Essa não é uma tarefa simples, mas, que precisa ser enfrentada, para que a Igreja Metodista continue contribuindo nesse campo, na perspectiva do metodismo não se tornar uma seita, mas, "reformar a nação e espalhar a santidade bíblica por toda a terra", como apregoou John Wesley.

Entrevista concedida ao jornal Expositor Cristão em 10/12/2008.


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