Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Entrevista Carlos Queiroz

 O testemunho de um pastor que foi acolhido pela Comunidade Metodista do Povo de Rua. Ele queria conhecer, na prática, como é a realidade dos desabrigados da cidade de São Paulo

O pastor Carlos Queiroz é diretor executivo da Diaconia, uma organização social sem fins lucrativos e de inspiração cristã com sede em Recife, Pernambuco.

 

Ele foi um dos palestrantes da "Conferência Missionária do Estado de São Paulo", evento realizado de 27 a 30 de maio no Museu da Bíblia, em Barueri, São Paulo, com o tema "Lutando pela Igreja: Porque a Igreja tem que ser relevante". Bastante conhecido no meio evangélico, escritor e professor de Realidade Brasileira no Seminário Teológico de Fortaleza, da Igreja Presbiteriana Independente, ele surpreendeu os (as) participantes da Conferência, revelando que havia feito uma visita à Comunidade Metodista do Povo de Rua na condição de um desabrigado.
Sem se identificar como pastor, ele entrou na fila de atendimento e pediu acolhida no albergue. Foi "morador de rua" por apenas dois dias, uma vivência que marcou sua história e emocionou os participantes do evento. Ele conta ao Expositor por que tomou esta atitude e que o aprendeu da experiência.

O que o levou à Comunidade Metodista do Povo de Rua? A Diaconia fará alguma parceria com a instituição?
Fui movido pelo tema da Conferência Missionária do Estado de São Paulo (CMESP). Ariovaldo Ramos e os organizadores da Conferência me convidaram para falar sobre "Uma Igreja Relevante para o Pobre". Achei que deveria conhecer melhor os pobres de São Paulo, a fim de comunicar algo que pudesse expressar melhor a realidade dos pobres em São Paulo. A partir dessa realidade cheguei à Comunidade Metodista no viaduto do Pedroso. Sou o Diretor Executivo da Diaconia, e mesmo que nesta iniciativa eu não estivesse em nome da instituição, não há como dissociar uma coisa da outra. A Diaconia busca parcerias com pessoas e comunidades pobres com dificuldades semelhantes às pessoas vivendo em condições de rua. O campo de atuação da Diaconia tem sido prioritariamente o Nordeste.

Por que você não se identificou como pastor logo na chegada à instituição? Como foi sua acolhida lá? 
Eu queria sentir como viviam as pessoas em condições de rua. Para o meu próprio bem, eu precisava ser acolhido como qualquer um deles. Fui muito bem atendido, como são todas as pessoas que se aproximam ali do Albergue. Este foi um dos aspectos que me sensibilizou profundamente. Era possível perceber a aflição das pessoas que trabalham no albergue, quando não podiam atender a todas as solicitações. A necessidade é bem maior do que a capacidade de atendimento. Fiquei um bom tempo de espera, mas isto era natural - diante da procura, o jeito era manter a paciência e curtir boas amizades na "fila de espera".

O que mais o surpreendeu ou marcou neste curto período de convivência com os moradores de rua de São Paulo?
A acolhida, a paciência dos colaboradores. O meu encontro eventual, na fila de espera, com o Sr. Francisco Alves foi um encanto. Ele demonstrou uma permanente preocupação comigo. Ele não possuía nada mais do que a roupa do corpo. Talvez por isto eu o percebi melhor, vestido de dignidade.  Conheci um outro amigo, o Antônio.  Ele me contou sobre toda a sua vida e a forma como tudo mudou pra ele depois que entrou "nesta casa de tanta misericórdia". Na linguagem dele, uma arca no meio da tempestade de sua vida. Com a diferença que a arca em referência possuía portas abertas. Fiquei também surpreso com tanta gente vivendo nas ruas por não terem opção de uma moradia digna. Homens trabalhadores dormindo no relento por falta de um lugar aonde se possa dormir com segurança e dignidade. Encontrei uma senhora de 33 anos. Ela me confessou que nas ruas de São Paulo se sentia mais segura do que com o seu marido violento dentro de casa. Fui surpreendido por um amor maior pela cidade de São Paulo. Para minha surpresa, os que vinham de outras cidades me confessaram que em São Paulo se sentiam mais seguras e mais protegidas.

Qual a relevância de um projeto desta natureza e, em sua opinião, por que há poucas iniciativas como essa?
Primeiro é um testemunho de que ainda é possível se viver intensamente o projeto de seguir a Jesus Cristo. Depois os seres humanos precisam de um tratamento que lhes resgate a dignidade. Este projeto devolve a chance das pessoas perceberem a dignidade que somente cada ser humano pode arrancar de dentro de si mesmo. Acredito que há poucas iniciativas porque custa sacrifício, muita doação e amor. Poucas pessoas estão comprometidas em pagar por este sacrifício.
Pela manhã vi dois homens ainda jovens brigando por causa de uma calça. As vozes começavam a se alterar. A menina do atendimento, no plantão daquela manhã, aproximou-se com um olhar firme e uma voz expressando ternura, e disse para um deles: "Não fale desse jeito, você pode perder sua razão". O outro continuou alterado, ela usou a mesma frase, dirigindo-se ao segundo cidadão. Não parecia uma técnica previamente elaborada. Fiquei impressionado como a atitude daquela jovem senhora mudou o entrevero num diálogo conciliador. Na minha interpretação achei que "razão" ou "direito" é uma propriedade inerente aos seres humanos; e, de tal forma impregnada nas entranhas, que mesmo pessoas em condições de rua exigem respeito e direitos.  

 O que a Igreja em São Paulo poderia fazer por estas pessoas?
Meu tempo na condição de habitante das ruas foi muito curto - dois dias e meio. Minha maior necessidade, e da maioria das pessoas que conheci, era apenas de um lugar para dormir - nada mais. Acho que os templos, chamados de casa de Deus, deveriam ter suas portas abertas para os filhos e filhas de Deus. Se os números estão corretos, são mais de 15.000 pessoas vivendo em condições de rua em São Paulo. Como ouvi de uma jovem senhora: "Estou vivendo nesta situação pela primeira vez na vida, já tem dois meses. Espero não me tornar uma viciada pela rua - a rua vicia a gente".


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