Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

embarques e desembarques

"O amor tudo espera,tudo suporta" I Co.13.7b

Aconteceu no aeroporto de Guarulhos. Estava esperando o horário do vôo que me levaria a Porto Alegre, na semana anterior ao carnaval. Havia chegado muito cedo. Tomei um café. Conversei amenidades com uma senhora. Andei pelo aeroporto, acompanhando o vai e vem típico de uma véspera de feriado.

Enquanto caminhava, passei em frente ao portão de embarque internacional. Ali estavam postados dois homens que, por diversos motivos, me fizeram concluir que eram pai e filho. O filho iria viajar, considerei ao ver que portava uma mala de mão. Parei minha caminhada. Por identificação com o momento fiquei por ali, dissimulando minha observação. Ambos sorriam enquanto falavam. No entanto, lentamente o sorriso deu lugar a uma certa tensão na face dos dois: chegara a hora da despedida, o filho precisava embarcar. Foi neste momento que eles se abraçaram. Mas não foi um abraço normal, corriqueiro, tranqüilo. Foi um abraço intenso, daqueles que misturam num instante o carinho e a dor. Envolveram-se como se quisessem um ao outro prender junto a si. Um silêncio envolveu-os, a despeito do entorno. Desabraçaram-se. Fitaram-se com a mesma intensidade do abraço. Continuaram calados. Era como se pai e filho estivessem gravando na íris a imagem um do outro. Estavam nitidamente à flor da pele. Mais um abraço, desta vez curto. Balbuciaram algo. O jovem virou as costas e ingressou no salão, sem olhar para traz. Estranhamente o pai ficou ali, paralisado, como quem aguarda um improvável regresso. Posicionou-se de maneira que pudesse, quem sabe, ter uma visão derradeira do filho. Impossível. Esperou mais alguns instantes junto ao portão, carregando um olhar perdido. Em seguida partiu. Percebi-me emocionado, compadecido, quase triste. Enquanto procurava o meu próprio portão de embarque pensei: estão certos aqueles que dizem que aeroportos podem significar alegria e pranto. Aqueles dois verteram sem chorar.

Ironia da existência, escrevo estas linha de dentro do vôo que agora me traz de volta de Porto Alegre. Sim, acabo de ingressar num portão de embarque, deixando para traz pai, mãe, irmã e avó. A vida se repete. Há instantes passei pelo mesmo ritual que testemunhara dias atrás em Guarulhos.

Me pego refletindo sobre as ausências que a vida nos impõe. Penso na família distante. No rosto de cada familiar. E no mesmo instante que medito sobre o poder avassalador da ausência, percebo que só tem saudade quem dá significado à presença, quem se abre ao afeto, quem sabe dar boas risadas e valorizar a bênção de estar vivo. A saudade apresenta-se como produto do carinho compartilhado, que uma vez puro "tudo suporta", sobrevivendo até mesmo aos "portões de embarque" da vida.

Neste momento de saudade, ainda no ar, posso testemunhar que experimento o abraço de Deus. E este também não é um abraço normal, corriqueiro ou tranqüilo. É um abraço completo, pleno de força e de alento. Sem problema algum confesso meu coração partido, mas estou em paz. Junto ao peito de Deus tenho a segurança de que Aquele que me abraça envolverá os que me amam, dispensando a eles a serenidade que experimento agora. Junto ao peito de Deus quase posso ouvir uma voz dizendo: nenhum portão de embarque te distancia daqueles que estão sempre dentro de ti.

Bom seria compartilhar estes sentimentos com os personagens iniciais desta história. Não é possível. Mas posso rogar ao Senhor que o Seu abraço os alcance. Assim o faço.

De certa forma os eventos vividos em aeroportos nestes últimos dias me fizeram entender melhor o quanto o próprio Deus nos quer perto de Si. Ao mesmo tempo que nos encoraja a lançar-nos na direção dos desafios, Ele também não parte. Ele nos abraça, fita nossas faces e fica, velando de perto nossas entradas e saídas, nossos embarques e desembarques.

Rev. Jonatas Rotter Cavalheiro


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