Publicado por Sara de Paula em Geral - 26/06/2020
É hora de repensar nossa relação com a natureza | Uma carta de Renovar o Nosso Mundo à igreja evangélica brasileira
É hora de repensar nossa relação com a natureza
Uma carta de Renovar o Nosso Mundo à igreja evangélica brasileira
Como organizações cristãs que trabalham nos campos da justiça e do cuidado pela criação, pedimos um repensar fundamental sobre o relacionamento da humanidade com a natureza, tendo em vista os efeitos da pandemia de Covid-19. Tal pandemia, fruto de uma crise ambiental, vem como uma tempestade que coloca em risco a todas e todos (ricos e pobres), mas que afeta diretamente os mais vulneráveis na cidade, no campo e nas florestas – muitas vezes, com maior letalidade. Se realmente cremos que no mundo criado por Deus temos a responsabilidade de usar os dons e os recursos de maneira sábia, cautelosa e sustentável, então é hora de levantarmos nossas vozes e agirmos contra toda injustiça socioambiental.
Apoiamos e ecoamos as palavras de Elizabeth Maruma Mrema, Secretária Executiva em Exercício da Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre Diversidade Biológica: “A contínua perda de biodiversidade em escala global representa ameaças diretas e indiretas à nossa saúde e bem-estar. A perda de biodiversidade e a mudança nos ecossistemas, inclusive através de mudanças no uso da terra, fragmentação e perda de habitats e mudança climática, podem aumentar o risco de surgimento de doenças e delas se espalharem entre pessoas, animais e outras espécies vivas.”
Denunciamos sistemas econômicos que colocam o lucro acima de todo tipo de vida. Em particular, observamos que tanto a destruição e fragmentação de habitats naturais, quanto o uso insustentável (muitas vezes, não regulamentado e frequentemente ilegal) de animais silvestres e de produtos provenientes deles contribuem para a ruptura de ecossistemas e para a probabilidade de patógenos serem transferidos para a humanidade a partir de animais selvagens. Portanto, é urgente a necessidade de interrompermos essa destruição contínua dos habitats, e isso só será possível se nos unirmos contra a causa de toda essa crise: sistemas econômicos exploradores e opressores, baseados na ganância, e que colocam o lucro acima de todo tipo de vida.
Rejeitamos o modo de vida consumista. Vivemos em uma era em que o mercado e a propaganda têm impulsionado o consumo e, assim, acentuando as diferenças sociais, definindo um estilo de vida que propõe a satisfação de todas as necessidades. Como a obtenção de lucros é o principal objetivo do mundo dos negócios, interessa-lhe que todo cidadão mantenha-se no modelo atual de consumo, no qual se vive para consumir cada vez mais bens e serviços. Mas a Terra chegou ao seu limite, e desde 29 de julho de 2019, nosso padrão de consumo utiliza mais do que ela consegue renovar. Estamos vivendo no “vermelho”, e isso significa que todos os recursos usados para a sobrevivência (água, mineração, extração de petróleo, consumo de animais, plantio de alimentos com esgotamento do solo, entre outros pontos) entraram em uma espécie de “crédito negativo” para a humanidade. Esse modelo econômico dominante tem tornado insustentável a sociedade atual, forçando-a a caminhar na direção dos produtos descartáveis mais que os duráveis; para o global mais do que para o local; para o uso individual de produtos ao invés do compartilhado; para a quantidade mais do que para a qualidade; para o desperdício ao invés do necessário; para o excesso ao invés da moderação.
Exigimos plena implementação das leis de combate ao tráfico de fauna silvestre. Reconhecemos que muitas sociedades humanas, principalmente os povos indígenas e tradicionais, dependem do consumo de produtos da flora e fauna silvestre, tais como remédios e alimentos, e pedimos a plena implementação das leis nacionais e internacionais existentes contra o comércio ilegal de animais silvestres, bem como uma melhor regulamentação de seu comércio legal, para o bem da saúde humana e para o equilíbrio e florescimento da natureza.
Convocamos cristãs e cristãos a uma conversão urgente de estilo de vida. Reconhecemos a particularidade da atual crise e lamentamos tanto a rápida perda da biodiversidade em todo o mundo, quanto os consequentes problemas para a saúde humana e os meios de subsistência da vida. Diante de tantas mortes, somos chamados a uma conversão urgente de estilo de vida que force uma mudança também no modelo de produção vigente. Não podemos mais nos mantermos apáticos e continuarmos vivendo como se nossas decisões diárias não afetassem toda a Terra. Toda a criação geme e aguarda que nós, chamados filhos de Deus, tomemos a decisão diária pela manutenção, restauração e sobrevivência de toda vida criada pelo Pai.
Diante de todo este cenário, solicitamos que as comunidades cristãs de todo o mundo reconheçam e ensinem o valor inerente que todas as criaturas têm para Deus e fomentem a compaixão, a defesa e o cuidado para com a natureza. Faremos isso se verdadeiramente assumirmos agora, no presente século, um estilo de vida inspirado pela visão bíblica do que nos aguarda no futuro: um reino onde prevalecerá a justiça, a paz e a partilha.
Brasil, 24 de Junho de 2020.
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