Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
discurso professor Rui
10 de dezembro de 2009
Meu caríssimo Vereador Zelão, quero, de modo especial, cumprimentá-Io, não só por propor essa celebração dos 100 anos do CredoMetodista, mas mais marcadamente por sua sensibilidade em perceber que uma igreja que propõe e confessa um credo social que completa 100 anos constitui-se numa igreja que precisa assinalar esse evento para ela mesma e para a sociedade. O meu caro irmãoestá atento para a dimensão que isso representa. O sentido daquilo que estamos celebrando emerge de uma compreensão de que nossa responsabilidade social pela justiça, direitos humanos, direitos da terra, é parte do conteúdo central de nossa fé. Cremos que o cumprimento de nossa responsabilidade ética e social não é um complemento, ou algo adicional ao nosso modo de crer. Não se trata de uma "conseqüência" de nossa fé. É mais até mesmo que uma"doutrina social". Não se trata da cereja no bolo. Trata-se da essência mesma do bolo.
É da essência de nossa fé crer, afirmar, e lutar pela justiça. Voz dos sem voz. Socorrer o desvalido e o necessitado. Cremos que a salvação não é só pessoal, cremos na santidade social e na salvação social. Nosso fundador expressou-se uma vez dizendo "basta a santidade social" porque, para o cristão, essa inclui a outra, a pessoal. Por isso mesmo, meu irmão vereador, temos um credo social que faz parte dos documentos oficiais de nossa igreja, isto é, de sua lei ordinária.
Somos uma Igreja que tem um Credo Social. O que significa isso? A ênfase dada tanto no Credo, no "crer" da fé, como no "social ", que coloca nossa fé e nosso crer no meio da sociedade e implica numa presença social e pública da Igreja da qual nós somos membros.
A expressão do Reino de Deus é totalmente mal compreendida e desvirtuada se eliminamos dela a preocupação pública e social com o amor, a justiça e a paz. Reino de Deus é um conceito social com dimensão pessoal e não o contrário. Com a afirmação de um credo social recusamos a idéia de um Reino de Deus abstrato, individualista, interiorizado, puramente espiritualizado, tão a gosto de uma sociedade de consumo e vendido como commodities espirituais. Reino de Deus para nós é uma semente de justiça e paz que germina na sociedade e no coração de muitos modos. Damos as mãos a todos e todas que promovem a justiça.Por isso, em nosso principal documento missionário assevermos que nos associamos com todos e todas que promovem a vida.
Nesse aspecto, a Igreja Metodista, seguindo a inspiração social de seu fundador João Wesley, foi pioneira em adotar um Credo Social, em 1908, quando assumiu a luta por direitos iguais com ênfases trabalhistas buscando condições de vida para os operários da nascente indústria. O trabalhador na indústria, sem direitos submetia-se às imposições dos detentores dos meios de produção e secundava a máquina como um apêndice a ela. O filme de Charles Chaplin, Tempos Modernos, retratou o fato em imagens inesquecíveis.
Esse Credo daMetodista Unida, de 1908, toca em assuntos vitais para a época como a questão trabalhista na indústria, a questão crucial do armamentismo e da guerra, da família e dos direitos da criança. Na elaboração desse primeiro credo social há uma clara influência do Evangelho Social do século XIX, um precursor da teologia latino-americana da libertação do século XX.É certo que para nós o trabalhador do campo deveria ter aí também um destaque, o que será corrigido em versões brasileiras desse credo.
O Credo Social nasceu na Igreja Metodista dos EUA, mas passa a ter vigência no Brasil desde a sua criação em 1908.E aqui não podemos esquecer de suas implicações para a Igreja Metodista no Brasil em obras de pioneirismo social de grande porte. Devo trazer à memória uma iniciativa gigante para a época. Falo da criação do Instituto Central do Povo , no bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, local pobre, doente, analfabeto, cercado pela favela já existente na época, do morro da Providência. Essa instituição, hoje mais que centenária, traz a marca do evangelho social e com os ventos que inspiraram a elaboração do Credo Social na Igreja Metodista Episcopal: essa centenária casa foi pioneira em muitos aspectos no Brasil, em atender às populações pobres com alfabetização e escola primária,com os primeiros jardins de infância e creches do Brasil, com atendimento médico, e com a primeira escola técnica de enfermagem do Rio de Janeiro. O seu inspirador foi o missionário Hugh Clarence Tucker, homem de grande visão social e coragem. Foi um batalhador ao lado de Osvaldo Cruz na grande e incompreendida campanha de erradicação da epidemia de febre amarela no Brasil, e o governo brasileiro fez o reconhecimento público dessa personalidade, de tal modo que foi condecorado com a singular Ordem do Cruzeiro do Sul.
O Instituto Central do Povo, no Rio de Janeiro, não foi a nossa primeira obra social. Houve antes centenas de escolas paroquiais atendendo crianças e cursos de alfabetização numa época em que o Brasil possuía índices em torno de 60% de analfabetos. Mas o Instituto Central do povo é o nosso cartão de visita quando adotamos o Credo Social. Por essa razão ele ocupa um lugar destacado no banner que vocês têm diante dos olhos (o banner traz uma foto do mural presente no Edifício Ômega, da Faculdade de Teologia, que represnta o ICP e Tucker, entre outras imagens marcantes da história do metodismo brasileiro).
Com a autonomia da Igreja Metodista no Brasil em 1930, o Credo Social sofreria pequenas e importantes alterações a partir de 1934. Há uma forte advertência contra o militarismo crescente na Europa e Estados Unidos, colocando em cheque a convivência mundial. O Credo reflete o espírito de colaboração social e ecumênico. Já dá ênfase a temas muito contemporâneos, como a igualdade entre homens e mulheres em seus direitos políticos e sociais,propõe a abolição do trabalho de crianças com prejuízo físico, intelectual e moral para elas, estende ao trabalhador os direitos primários de vida, leis protetoras, sustento, educação, direito de greve, etc. muitos itens pontuam esses direitos, direitos que não podemos detalhar aqui por razões exclusivamente de tempo. (O livro Sal da Terra e Luz do Mundo que passamos às mãos dos ocupantes da mesa, traz o documento). O credo seria novamente alterado e explicado em 1960, com maior ênfase nas questões estruturais, abordando a ordem política, social e econômicae dá destaque à liberdade de imprensa e menciona a preocupação com a formação para a cidadania. O Credo em 1970 aponta as dificuldades políticas e o aumento da disparidade econômica, cultural, social. Aigreja afirma a necessidade de canais adequados para a expressão política e adota como inerente ao credo social a Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Organizações das Nações Unidas.
Devo mencionar que a Igreja Metodista teve nos meados do século passado uma inserção entre os povos indígenas considerada exemplar na época pelo respeito demonstrado à cultura e costumes dos povos originários. Em primeiro lugar com médicos metodistas que trabalharam com Rondon e Telêmaco Borba. Depois, Projeto Caiuá e Terena, projeto elogiado por antropólogos, quando nosso missionário trabalhou defendendo a dignidade e a cultura do índio, ele se aculturando e não o contrário. Infelizmente a mesma compreensão não aconteceu entre outras missões cristãs. Lembro a luta contra o Serviço de Proteção ao Índio que havia abandonado completamente os ideais de Rondon e seria com justiça extinto para dar lugar à Funai.Hoje esse projeto já não a mesma força do passado e precisa ser revitalizado.
Dentre muitos projetos sociais relevantes espalhados pelos Brasil faço questão de destacar o Projeto Meninos e Meninas de Rua. Esse Projeto nasceu numa época difícil da ditadura militar quando proliferava os famigerados justiceiros, que matavam crianças mediante pagamento e, ao mesmo tempo, um crescente número de crianças vivendo nas ruas de São Bernardo do Campo, sem nenhuma proteção ou cuidado. Época de grandes chacinas que tornaram SBC famosa, como a chacina de sete garotos em um colégio da região central. Época perigosa para um projeto de cuidado a meninos e meninas vivendo nas ruas. Nesse ambiente nasceu o projeto com participação de estudantes de Teologia e organizado pela Região Eclesiástica de São Paulo. Muitas crianças ameaçadas tiveram que ser escondidas para não serem mortas. O projeto tinha apoio de agências do exterior. Junto com o projeto ganhou força a discussão do Estatuto da Criança e do Adolescente, muitas das reuniões realizadas nas dependências da Faculdade de Teologia. O projeto tomou corpo e projeção e virou uma parceria entre a prefeitura de São Bernardo do Campo e Igreja Metodista. Muito bem estruturado e muito bem desenvolvido marcou a cidade de São Bemardo e recebeu prêmios e comendas, inclusive da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de São Paulo, comissão na época presidida por Eduardo Greenhalgh. Isso ocasionou pedidos vindos das prefeituras de Diadema e Guarulhos, e o projeto estendeu-se também a essas cidades.Hoje o projeto tem na presidência a Professora Margarida Ribeiro e como tesoureiro o Prof. Otoniel Luciano Ribeiro (que não são parentes), e estão presentes e peço que se coloquem de pé.
Senhor presidente, poderia destacar outros modos de inserção pública da Igreja em muitos cantos desse Brasil. Projetos bonitos de inclusão de mulheres, de inclusão de crianças empobrecidas sem distinção de sexo, de raça ou religião, organizações com ações pró ativas de combate ao racismo e toda sorte de discriminação. Estes projetos são merecedores de todo apoio e consideração. Mas, devo ser honesto diante dessas pessoas aqui presentes: já tivemos maior presença pública e profética na sociedade.jê Hoje vivemos momentos de hesitação. E sua iniciativa, meu caro vereador, de homenagear a Igreja Metodista por seu Credo Social em seus 100 anos, serve para nós como um grande incentivo para retomarmos o vigor de nossa vocação social e profética com mais força ainda. Por isso, manifesto a nossa gratidão por nos motivar ao compromisso social como Igreja, como comunidades e como pessoas, e fazer jus, assim ao moto que a Igreja Metodista tem, de ser uma comunidade missionária a serviço do povo. Que Deus o abençoe por sua iniciativa, que Deus o abençoe em suas grandes responsabilidades, que Deus abençoe essa casa em sua tarefa de fazer de São Paulo uma cidade mais justa e mais humana.
Obrigado.
Rui de Souza Josgrilberg.
Reitor da Faculdade de Teologia
Igreja Metodista