Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 07/04/2011

Direitos Humanos

  Atoleiro racista: artigo da Prof. Roseli Fischmann, coordenadora do Núcleo de Educação em Direitos Humanos, para o jornal O Estado de S.Paulo.

Quem acha que a liberdade de expressão permite manifestações como as do deputado Jair Bolsonaro também é cúmplice do crime, afirma pesquisadora.

O Estado de S.Paulo/ 02 de abril de 2011 | 14h 00

Roseli Fischmann

A indignação que varre o País, e não encontra adjetivos suficientemente adequados para se expressar, como reação às falas do deputado Jair Bolsonaro, tem como base o mesmo posicionamento histórico que levou a Constituição de 1988 a incorporar, em seu artigo 5º, o racismo como crime inafiançável e imprescritível.

 As tentativas de burlar a lei, tentando encontrar justificativa para o injustificável, seja por parte de Bolsonaro, afundando cada vez mais em seu mar de posturas discriminatórias, seja por parte dos que o apoiam, indicam a persistência do racismo.

À pergunta sobre qual seria sua reação, se seu filho se apaixonasse por uma negra, Bolsonaro disse: "Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados. E não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu."

Sua resposta foi expressão de racismo? Sim. Impossível tergiversar que a atribuição de um (des)qualificativo como "promíscua" foi feita de forma extensiva a todas as mulheres negras e não apenas a quem se dirigiu a ele. Preta não perguntou a reação do deputado a uma possível paixão do filho dele por ela; era uma pergunta ampla, geral, tratando de uma mulher negra indefinida. Toda e qualquer mulher negra.

A resposta do deputado acentua o racismo, ao associar o termo promiscuidade ao que para ele é a raiz da mesma: "ambiente como lamentavelmente é o teu". Essa fala indica sua intenção de abranger, para além daquela particular mulher negra que o indagava, todos os negros - homens, mulheres, crianças, idosos, jovens.

A entrevista ao CQC apresenta "exemplos de manual" do que Theodor Adorno qualificou como "personalidade autoritária", na qual a ofensa a Preta Gil significou a prova irrefutável dessa classificação. A continuidade da matéria, em suas manifestações sobre "lixar-se" para a comunidade LGBTT, é a derradeira prova dos nove da postura discriminatória que, além de autoritária, também se enquadra como violação da Constituição.

A tendência a generalizar de forma imprópria, a considerar inferiores categorias de seres humanos que venha a eleger como tais, a despersonalizar, a negar a pluralidade humana, são traços da personalidade autoritária que apoia golpes e sustenta totalitarismos. As vozes que se levantaram em sua defesa indicam o perigo que se abriga nesse tipo de atitude. Nas respostas ao CQC, o deputado não deixou dúvidas sobre sua atitude de apoio à ditadura.

O que está em jogo é não apenas a defesa de vítimas do racismo, mas também a cidadania e a democracia, cuja base é o respeito a todos e todas, por sua igual dignidade, igual direito à liberdade de ser plenamente humano. A hierarquização e o desprezo moral que a fala do deputado expressa são inaceitáveis em uma democracia. Foi esse tipo de atitude que esteve presente na política do Estado nazista que determinou a morte de milhões de judeus, romas (ciganos), homossexuais, pessoas com deficiências e, depois, adversários do regime.

São diversos os níveis de gravidade que o deputado sinalizou: "meus filhos foram muito bem educados". Qual a mensagem que essa fala, e o que se fará dela, transmite à juventude, às crianças e a toda a população? Porque o poder educativo da mídia é indiscutível, como o poder educativo do Poder Judiciário, ao aplicar a lei - que atitude se tomará? O próprio Poder Legislativo é também chamado à arena, para dizer como reagirá já que se trata, por assim dizer, de um dos seus.

A ideia de que a liberdade de expressão garantiria esse tipo de manifestação é cúmplice desse racismo, e igualmente criminosa. Quem tiver dúvida deve consultar o histórico processo julgado pelo STF no qual foi condenado Ellwanger por racismo, o parecer como amicus curiae, de Celso Lafer, e o Daniel Sarmento de Livres e Iguais. Os estudos jurídicos sobre os discursos de ódio ensinam que, no conflito entre duas liberdades distintas, vence aquela que não prejudique a presença de qualquer cidadão no campo democrático.

O discurso de ódio impede a presença da vítima, que pode se recolher, humilhada e ofendida, se o Estado não acudir em sua defesa. Ou, como ensina Richard Dworkin, pode a vítima, individual ou coletivamente, movimentar-se no uso do direito à insurgência se perceber que o Estado a despreza tanto quanto o racista que a insultou - o que comprometerá a paz social que a democracia busca.

ROSELI FISCHMANN É COORDENADORA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO, MEMBRO DO COMITÊ CIENTÍFICO DA COALIZÃO UNESCO DE CIDADES CONTRA O RACISMO E PESQUISADORA DO CNPQ

Estado de S.Paulo/ 02 de abril de 2011 via Fateo


Posts relacionados

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães