Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Consciência Negra pr. Marcio Divino

Dia da Consciência Negra (e Coletiva)

"Não sois vós para mim, ó filhos de Israel, como os filhos dos etíopes?" - Am. 9:7.

Celebramos no próximo dia 20 de novembro o "Dia Nacional da Consciência Negra" - feriado em muitos municípios brasileiros. Dia da morte de Zumbi do Palmares, referencial da luta da raça negra no Brasil pelo fim da escravidão e da conquista por igualdade de direitos. Também é um dia dedicado à reflexão coletiva sobre a história, a presença e importância do negro na cultura brasileira, bem como nas igrejas evangélicas.

A relação e reflexão sobre o negro nas igrejas evangélicas não se difere muito da nação brasileira, passa silenciosamente em muitas denominações. Amparado pela capa da irmandade, isto é, a convicção cristã de que somos todos irmãos - uma verdade incontestável -, não se toca nesse tema, todavia o racismo e o preconceito soam velados em muitas igrejas, através de olhares, palavras, atitudes e decisões, sendo em alguns casos, abafados.

Alguns autores evangélicos tiveram a coragem de debater esse tema. Entre eles, o historiador José Carlos Barbosa, em sua obra "Negro não entra na Igreja: espia da banda de fora" (2002), denuncia o silêncio das igrejas protestantes históricas com o tema da escravidão; o comunicólogo Edilson Marques da Silva, em "Negritude e Fé" (1998), indica como os preconceitos produzidos na nação brasileira e no âmbito das igrejas evangélicas prejudicam a auto-estima do negro cristão. Por último, o cientista da religião Marco Davi de Oliveira, em sua obra "A religião mais negra do Brasil" (2004), discute as razões da opção de muitos negros pelas igrejas pentecostais e as tensões presentes nessa relação.

Essas e outras obras sobre o tema servem de alerta para o fato de que a relação igrejas evangélicas e o negro não é tão unívoca assim, deste modo, merece reflexões sérias, sem espiritualismos ou ufanismos. Pois como evangélicos, fiéis aos valores de Cristo, que amou e ama a todos indistintamente e lutou sempre pela dignidade das pessoas, não podemos reproduzir e/ou perpetuar esquemas preconceituosos no interior de nossas igrejas. Mas semear os valores do Reino de Deus: centrado no amor, dignidade e justiça.

Entre as iniciativas para romper com esse preconceito velado sugiro o cuidado em nossas igrejas com expressões do tipo: "ovelha negra"; "lista negra"; "a coisa ficou preta"; "amanhã é dia de branco"; "preto de alma branca"; "os/as nêgos/as não prestam atenção, não fazem isto ou aquilo direito"; "serviço de preto"; "mulato/a"; "denegrir", entre outras expressões.

Qualquer pesquisa rápida na internet pode apontar o quanto essas palavras são nocivas, escondem ou revelam preconceitos em relação ao negro, porém muitas vezes são usadas em nossas igrejas livremente. Vale destacar ainda que juntamente com essa ação em relação às palavras merece atenção também o zelo pela não proliferação em âmbito comunitário de piadinhas preconceituosas sobre negro, permitir sua propagação ou ri das mesmas em qualquer esfera é legitimar o preconceito.

Outra ação afirmativa importante passa pela educação religiosa produzida no contexto comunitário. Neste âmbito é possível produzir estudos bíblicos sérios que evoquem o valor do negro na Bíblia, contrastando com as visões distorcidas e preconceituosas construídas historicamente. Neste sentido é possível resgatar verdades bíblicas encobertas sobre a história do negro, como por exemplo: o Egito, importante império antigo, inventor do papiro, fica no continente africano. Ou ainda, que personagens bíblicos famosos do passado como José, Moisés e o próprio Jesus viveram um período na África - no Egito. Sem esquecer passagens como a que aparece na epígrafe acima, que entre outras coisas afirma o olhar especial Deus pelos negros (Etíopes/Cuxi), a semelhança dos filhos de Israel. Ações como essa ajudam no fortalecimento da auto-estima do negro evangélico.

Refletindo sobre a mídia produzida em nosso país é preciso ter em mente que o negro (evangélico ou não) não suporta mais o monopólio visual da mídia televisiva, impressa (revistas, jornais, etc.) e/ou virtual (internet) que sempre apresentam rostos e personagens eurocêntricos (brancos, loiros, olhos claros). Vivemos num país mestiço, em que o negro representa parte significativa da nação, nada mais natural que tais meios reproduzam essa realidade. De igual modo as Igrejas Evangélicas, comprometidas com os valores do reino de Deus, devem ter cuidado em suas produções publicitárias e incluir o negro evangélico, para não reproduzir a discriminação maligna que impera em nossa nação.

Concluindo, toda e qualquer forma de preconceito fere os ouvidos, os olhos e o coração de Deus e deve ferir também nossos ouvidos, olhos e coração como cristãos. Assim como Igreja de Cristo, portadora da maravilhosa mensagem de "boas novas do evangelho" trabalhemos para a construção de comunidades cristãs inclusivas e uma sociedade em que reine o amor, a justiça e a dignidade humana.

Por Rev. Márcio Divino de Oliveira, pastor metodista, 5ª RE, filósofo e mestre em Ciências da Religião

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASETT. Identidade Negra e Religião. Rio de Janeiro/S.B.do Campo: CEDI/Edições Liberdade, 1986.

BARBOSA, José Carlos. Negro não Entra na Igreja: Espia de fora. Piracicaba: Unimep, 2002.

CMI. Justiça Transformadora: ser igreja e superar o racismo. (Cartilha). Suíça: CMI, 2004.

DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984.

OLIVEIRA, Marco Davi. A Religião mais Negra do Brasil. São Paulo: Mundo Cristão, 2004.

SILVA, Edilson Marques. Negritude e Fé: O resgate da Auto-Estima. Santa Cruz do Rio Pardo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras "Carlos Queiroz, 1998.


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