Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

consciência negra poesia pr José do Egito

Das profundezas

Pesadelo...

Ouve se os gritos, prantos, desespero,

Lágrimas, pela face de ébano a rolar.

O tumbeiro se afasta da costa, singrando o alto-mar.

Deixo para trás, clã, tradição,

em troca receberei açoites e humilhação.

Não escolhi partir, estou sendo seqüestrado.

Vejo ao meu lado minha mulher e filhos,

todos como eu também acorrentados.

No fétido ventre da morte, me bate um desespero,

a cada dia morre mais um irmão guerreiro.

Elevo ao Grande Espírito, em silêncio uma oração.

Pedindo a Ele a mercê de morrer com meus irmãos.

Porém, ao meu pedido o Criador disse não.

Depois de meses no mar, o tumbeiro um porto atingiu,

chegamos finalmente a um País por nome Brasil

Do ventre da morte, os sobreviventes são tirados.

Famílias separadas, destinos ignorados.

Rompem-se, com isso laços, sonhos, tradição.

Vendidos como peças, cada um foi para um lado,

trabalhos na cana, nas minas, no café,

nosso sangue e suor mantém este país em pé.

Castigo, humilhação constante, vivendo das sobras,

Contra tantas injustiça resolvo me rebelar,

prefiro morrer tentando ser livre,

do que passivamente aceitar.

Num anseio por liberdade, me embrenho na densa mata,

Porém, fraco, ferido e faminto, logo sou por cães acossado.

E noite de lua cheia, uma roda se forma então.

Não é de festa de cantiga, mas sim de punição.

Assim como vim ao mundo, ao tronco sou atado.

Com a diferença que nasci livre, e hoje estou escravizado.

A sentença ouço do patrão, que avisa a quem ousar tentar,

fugir sonhando ser livre, qual preço ira pagar.

Preso ao pelourinho, em meio ao banzo, e às tristes canções,

o chicote do feitor dilacera meu corpo. Deixando macerações.

A cada toque na pele, rouba-me o sangue, arrancando do meu peito um grito.

Porém, prenderam-me o corpo, mas livre está meu espírito.

Encontro-me na fronteira entre a vida e a morte.

Em meio ao delírio e dores lancinantes, contemplo entre meus antepassados,

Esposa e filhos, que no mar morrerãm primeiro,

ela, que no ventre dos filhos trazia o terceiro.

O do meio, e o mais velho, do meu trono na África herdeiro.

Porém, a insana escravidão veio seu destino mudar, pois,

no trono de meus ancestrais, jamais irá sentar.

Vitimas do ignominioso tráfico de vidas humanas,

destinados ao Brasil, escravos na cultura de café e cana.

Pereceram diante da violência, e cruenta humilhação.

no ventre do maldito e sombrio tumbeiro.

Que transportando gente rendia aos brancos muito dinheiro.

Perdi mulher e filhos, e também bravos guerreiros.

Pois, a dureza da travessia não puderam suportar.

Como lápide para seus corpos, serviram as profundezas do mar.

Porém, apesar da saudade ser grande, esse reencontro, decido adiar.

Pois, por mais que a vida seja dura, em nome dos vivos preciso lutar.

É que o sonho de ser livre acalenta minha alma,

por isso essa fronteira me recuso por hora atravessar.

Trinta e oito...

Trinta e nove... chega, grita o patrão.

Que isso sirva de alerta, pra todo negro fujão.

Deixe o passar a noite, preso ao relento,

que o frio da madrugada seja ungüento para seus ferimentos.

A noite de luar, me traz nostalgia e indagações

Açoites, humilhações, saudade do lar...

Criador, o que fiz eu? Porque tantas humilhações?

Da liberdade para o tumbeiro,

Do tumbeiro para a senzala,

Da senzala para o pelourinho,

Perdi pátria, dignidade e família.

Trabalho dia e noite, para um povo que só me humilha.

Por causa da cor da pele, sou como animal tratado.

Responda-me Senhor qual foi o meu pecado?

Dizem, que vim do continente maldito, e sem alma fui criado,

o cristão explica que sou, um infeliz descendente de cão,

criado para ser dominado, para se cumprir a maldição.

Outro branco letrado, amigo da sabedoria,

explica da mesma forma essa cruel vilania.

Sou de raça inferior, diz o sábio pensador,

E que tal ordem estabelecida, ninguém pode questionar,

pois, alguns nasceram dominados, e outros para dominar.

O batismo dos civilizados, me impuseram então, contudo

não consigo entender tal religião,

que permite que um homem tenha como propriedade seu irmão.

Pois mesmo sendo batizado, assim como meu sinhô, também é,

sacramento que nos fez irmãos, seguidores da mesma fé.

Oramos ao mesmo Deus, somos filhos do mesmo Pai.

Para ele ficou as bênçãos, para mim gemidos, dores e ais.

Mesmo sem saber orar, pergunto ao Deus do céu.

Que pecado cometi eu, para merecer destino tão amargo como fel.

Uma voz no meu interior, me diz, filho, o pecado não é teu não.

E sim daqueles, que deveriam em meu nome pregar o amor

Mas, se perdendo e em seus vãos raciocínios, semearam

segregação, intolerância e dor, e em nome do materialismo,

Trocaram a verdade pela mentira, da vida julgaram-se senhores.

Distorceram minha Palavra, e numa ignomínia tal

Escravizaram seus semelhantes, como se de mim tivessem aval.

Em nome do dinheiro e poder,

a seres humanos escravizam, matam e deixam à míngua morrer.

Baseados na clareza de sua pele, se declarando superiores, sábios e forte,

impondo aos que julgam inferiores, dores, humilhação e morte.

Porém, saiba que sou contigo, não te abandonei à própria sorte

O povo negro ainda se levantará como gigantes nessa nação.

Porém, não será sem luta, lágrimas e traição.

Por Mim mesmo juro Eu, que zelo pela justiça e o direito, para que se cumpra

Eu, de cuja boca não procede palavras infrutíferas e vazia

que toda injustiça praticada, desde quando da África, fostes arrancados.

Bem como o sangue de todo negro injustamente derramado nos canaviais,

minas, casas grandes, pelourinhos eitos e cafezais, somados ao pranto e gemidos de dor,

Arrancados pelo chicote do senhor e do feitor,

Subiram até minha presença, trazendo o mesmo clamor por justiça

de quando o sangue de Abel minha testemunha no inicio foi derramado.

Pr. José do Carmo da Silva (Zé do Egito)

Igreja Metodista em Fátima do Sul - MS.

 

 

Real libertação

O Sonho de ser novamente, livre como na África nasci,

acalenta-me a esperança, me levando a resistir.

As revoltas, a capoeira, as fugas, os quilombos,

Zumbi e o sonho de Palmares.

Depois de muitas lutas, sangue dos dois lados derramados

Cotegipe, sexagenário, ventre livre,

lutas de brancos e negros abolicionistas.

Por interesse da Coroa inglesa, por gesto final de uma princesa,

uma assinatura parecia fim ao pesadelo ter colocado.

Porém, infelizmente foi uma decepção.

Pois, não existe plena liberdade, sem justiça e reparação.

118 anos se vai, desde a pseudo libertação.

Olhando ao derredor, é fácil a triste constatação,

que o sol da liberdade não raiou por inteiro,

no horizonte, ainda sofrido do afro-brasileiro.

Cessaram-se os castigos, mas, permanece a humilhação,

pois, do trabalho exercido o negro, não recebeu seu quinhão.

O preconceito racial, aliado ao estigma da escravidão,

fizeram-nos párias, invisíveis nessa nação.

Na qual depois que fizemos o bolo, com nossas lágrimas, suor e sangue misturados.

Não nos vem à justa fatia nas mãos

Simplesmente fomos a própria sorte abandonados.

Das senzalas para as favelas..

Vivendo de subemprego, na luta pelo pão,

variando entre pedreiro, e catador de papelão.

Porteiro de hotel, ou vigia da mansão.

Cortador de cana, carvoeiro, bóia fria.

Doméstica, cozinheira, arrumadeira, passadeira

As mesmas funções que na casa grande exercia.

A única diferença, tendo como paga uma ninharia,

inferior ao ganho dos brancos, pela mesma função e número de dias.

A acessão poderá ser fácil, se o negro tiver algum talento,

nos campos de futebol, ou na indústria do entretenimento.

Medidas paliativas, que não curam de todo o mal,

pois, somente o acesso à universidade,

porá fim a esse fosso social.

Algumas coisas tem mudado.

Isso não podemos negar.

Porém, é muito pouco, não podemos nos calar.

Pois, o sol nasceu para todos, e dele queremos desfrutar.

Assim como a sombra digna de uma casa para morar.

Ensino fundamental de qualidade,

Ensino médio e faculdade

Emprego, justiça, plena cidadania.

Dignidade e respeito, seja no centro ou na periferia

Ao ler essas estrofes, desta triste mais verdadeira poesia,

você pode me dizer que o supracitado é sonho, quimera, utopia

Que por isso tudo anela o branco, e não tem no seu dia a dia.

Que, quem pensa ser o negro? E porque isso teria?

Tendenciosa ou honestamente, podes tu ainda argumentar.

Que negros são discriminados, por serem pobres e não pela cor.

Que o negro não e discriminado, mas sim discriminador.

Eu respondo sem titubeio, que são pelas duas condições.

Pois pobreza nesse País tem cor, e só prestar atenção.

A cada dez pobres, seis são negros meu irmão.

Quanto ao sonho, em parte vou de você discordar,

Pois, a vida perde o sentido, quando se deixa de sonhar.

Creio que nossos sonhos são na verdade,

reflexos de direitos a nós negados no passado.

Manifestando-se no presente, com força para mudar nosso futuro.

Porém, os sonhos não se realizam na vida de quem fica sobre o muro.

E quando nós negros voltamos ao passado, dando livre curso ao subconsciente.

De lá, então os sonhos afloram, renovando a esperança da gente.

Porém, os olhos da realidade jamais podemos tirar,

para não sermos alienados, convém uma coisa lembrar.

Que se o sonho, se sonhar só, simplesmente será sonhar,

mas, se o sonho, que se sonha, for sonhado em grupo,

E tal grupo de oprimido nele realmente acreditar,

A ponto de por ele se sacrificar, sofrer perseguições e em Deus força buscar.

É sonho que ninguém nesse mundo impedirá de se concretizar

Há 118 anos, o povo negro tem sonhado com uma justa participação,

em todas as áreas importantes dessa nação.

É, preciso sonhar o sonho, que Luther King sonhou,

e pelo qual Zumbi dos Palmares, e outros negros e brancos lutou.

É urgente abrir a boca, e a falsa democracia racial denunciar,

pois, para que a injustiça se perpetue, basta o oprimido se calar.

E o silencio nasce, quando a esperança morre, e se deixa de sonhar.

Irmãos negros levantemos a cabeça, e reescrevamos nossa história

Usando como tintas, o diálogo, a fé e a razão.

Pois, somente assim brilhará do Sol a clara luz

Trazendo a vida plena a todas as etnias, pelas quais morreu Jesus.

E aos brados de Vassum Crisso, Vassum Crisso, a justiça e a paz se abraçarão.

 

Pr. José do Carmo da Silva (Zé do Egito)

Igreja Metodista em Fátima do Sul - MS.

 


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