Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

astronauta muçulmano


Sylvie Kauffmann

Muszaphar Shukor é um pioneiro. Em primeiro lugar, ele é o primeiro
malasiano a ir para o espaço, para onde ele foi enviado na quarta-feira, 10 de outubro, numa nave impulsionada por um foguete Soyouz, e onde ele alcançou a Estação Espacial Internacional (ISS) em companhia do russo Iuri Malenchenko e da americana Peggy Whitson. De certa maneira, ele estava predestinado - o seu nome, em árabe, significa "vitorioso". Mas não é só isso. Este médico de 35 anos, que trabalha como modelo nas horas vagas, e que aspira a se tornar "o Gagarin malasiano", é também o primeiro muçulmano a se encontrar em órbita durante o Ramadã, numa estação espacial que, além do mais, é comandada por uma mulher.

Tudo era tão mais simples para Gagarin. Muszaphar Shukor, por sua vez, obrigou as autoridades religiosas da Malásia a se debruçarem longamente sobre uma questão que o Profeta não havia previsto: como observar os rituais religiosos quando o praticante gira 16 vezes por dia em volta da Terra, que ele perde a Meca de vista, que a falta de gravidade torna as genuflexões complicadas e que a água não está prevista para a higiene do corpo?

Denis Sinyakov/Reuters - 10.out.2007  
O astronauta malasiano Muszaphar Shukor acena antes de embarcar na nave Soyuz

O problema foi levantado logo em junho de 2003, quando o governo anunciou a sua intenção de enviar um malasiano para a ISS. Inúmeras opiniões foram proferidas. Em abril de 2006, a Agência Nacional Espacial da Malásia e o Departamento do Desenvolvimento Islâmico organizaram um seminário conjunto sobre o tema "o Islã e a vida no espaço".

Essas discussões resultaram na elaboração de uma brochura intitulada "Instruções para observar o "ibadah" (ritual religioso) a bordo da ISS". Uma delas preconiza substituir a água por toalhas de papel (três no mínimo) para praticar a "istinja", o ritual observado depois de satisfazer às necessidades naturais. A ablução antes da oração deve ser feita sem água, o astronauta tocando uma superfície limpa com as suas palmas abertas. A oração deve ser praticada cinco vezes por dia, respeitando o fuso horário de Baikonour, no Cazaquistão, de onde decolou o astronauta. Para tanto, ele pode adotar diversas posições adaptadas às condições de vôo. O astronauta jejua nas horas normais (hora de Baikonour), mas pode também optar por compensar o jejum quando retornar para a Terra.

Este luxo de procedimentos pode parecer excessivo quando se sabe que Muszaphar Shukor só terá passado dois dias de Ramadã de um total de nove dias em órbita, uma vez que a festa do Aid encerrou o jejum no sábado (13/10), mas ele mostra que para os muçulmanos da Ásia, o espaço daqui para frente faz parte do universo religioso. Era necessário tornar o ritual mais maleável pela simples razão que, segundo conclui a brochura, "o Islã encoraja as viagens no espaço" - um signo que Jean-Pierre Filiu, um especialista no mundo árabe-muçulmano, analisa como revelador da modernidade do Islã hadhari ou "civilizacional" que é promovido pela Malásia, frente ao wahhabismo de Estado defendido pela Arábia Saudita. Diante do entusiasmo despertado pela odisséia do cosmonauta em seu país, um dos muftis (jurisconsulto supremo e intérprete do Alcorão) da Malásia lamentou, aliás, que não houvesse mais cosmonautas muçulmanos, e menos teóricos islâmicos: "Os muçulmanos deveriam estar na vanguarda da ciência e da tecnologia,
inclusive no que diz respeito à exploração do espaço", disse.

Isso porque não há tempo a perder. A Ásia lançou-se na conquista do espaço, na qual ela vem imprimindo cada vez mais a sua dinâmica própria. Dentre os membros do clube restrito dos países que efetuam por conta própria o lançamento dos seus satélites, a metade já é integrada por asiáticos: a China, o Japão e a Índia, ao lado dos Estados Unidos, da Rússia e da França. Mas eles enxergam mais além: eles almejam a Lua.

Cinqüenta anos depois do lançamento do Sputnik, a primeira máquina espacial, em 4 de outubro de 1957 pela URSS, a Federação Internacional da Astronáutica acaba de realizar o seu congresso mundial anual em Hyderabad, uma daquelas cidades indianas estimuladas pelo crescimento. Trata-se de um símbolo e tanto, que evidencia o quanto a Índia faz alarde atualmente das suas ambições espaciais. Desde o lançamento do seu primeiro satélite, em 1980, o seu programa espacial, que por muito tempo permanecera voltado para a ajuda à agricultura, conheceu uma evolução substancial. Dotado agora de um orçamento de US$ 900 milhões (cerca de R$ 1,9 bilhão), ele prevê a realização de 60 missões no espaço no decorrer dos próximos cinco anos, ou seja, uma média de doze por ano. Em 9 de abril de 2008, a Índia deverá lançar a sua primeira sonda lunar, a Chandrayaan 1, para uma missão de dois anos; então, a Chandrayaan 2 colocará um veículo de exploração na superfície da Lua.

A China, que começou mais cedo - ela lançou o seu primeiro satélite em 1970 -, já alcançou o estágio dos vôos tripulados. O primeiro partiu do deserto de Gobi há quatro anos. Para este programa que leva o nome de Shenzhou, que prevê o lançamento de um laboratório orbital habitado depois de 2010, ela investiu a quantia de US$ 2,3 bilhões (cerca de R$ 4,5 bilhões). Além disso, para ela também o objetivo é a Lua: a sua primeira sonda em órbita lunar, a Chang'e 1, deverá ser lançada antes do final de 2007. A Chang'e 2 e a 3 irão perfazer o trabalho sobre a Lua até 2015.

Em Hyderabad, o chefe da agência espacial chinesa, Sun Laiyan, considerou como lógico que a China envie depois disso um homem à Lua, a partir de 2020. Mas o Japão, depois de sofrer uma longa série de reveses técnicos, talvez já esteja um pouco adiantada em relação à sua vizinha, e a fusão, pelo Japão, das suas duas organizações espaciais deveria conferir-lhe um novo dinamismo. Há dez dias, Tóquio colocou com sucesso a sua primeira sonda em órbita em volta da Lua, antes da China e da Índia.

Por que esta efervescência? Para Roger-Maurice Bonnet, o presidente do Comitê Mundial de Pesquisa Espacial, "existe, é claro, a competição não confessa, porém real entre a China e a Índia. Mas, há também a Lua, este objeto tão exposto na mídia que todos sonham em se apoderar. Então, por que não ir até lá por conta própria, em vez de deixá-la para os americanos, que provavelmente não mais farão esta viagem?" Afinal, se os americanos alimentam pretensões estratégicas na Lua, ou mais simplesmente, se eles esperam extrair dela hélio-3 ou minerais, por que as potências emergentes lhes dariam este presente numa bandeja? A Índia e a China, "em vias de dominarem o mundo do espaço", estarão na Lua antes que os Estados Unidos para ela retornem. Disso, Roger-Maurice Bonnet não duvida. Mas este cálculo, conforme acrescenta este especialista, apresenta um sério risco de se revelar ingênuo: ninguém salvará a Terra indo para a Lua.

Post-Scriptum
A respeito do desastre econômico birmanês, um leitor nos explica que é possível ver, em tempo normal, nas ruas de Yangun (mas, o que vem a ser um "tempo normal" em Yangun? Só que é um outro debate), bicicletas atreladas a um side-car, que, apesar de serem obsoletas, não deixam de constituir ao menos um meio de
BICICLETAS DE MIANMAR
LEIA ANÁLISE
locomoção barato, ao passo que nós deplorávamos, em artigo recente, a ausência de veículos de duas rodas. Um outro considera "hipócrita" referir-se à presença das companhias asiáticas em Mianmar sem mencionar aquela da (francesa) Total - omissão corrigida. Vale assinalar que os joalheiros Cartier e Bulgari decidiram não mais abastecer em pedras preciosas junto à junta militar.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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