Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

assim na terra como no céu

 
Affonso Romano de Sant'Anna,

Estado de Minas, segunda-feira, 29 de maio de 2006 
 
Você pode virar pastor e fundar sua própria igreja como rentável negócio terrestre e celeste em apenas 90 dias. Está lá no anúncio da Assembléia de Deus: "Formação de pastor a R$ 600, mestre em Bíblia a R$ 1.300 e doutor em divindade R$ 1.500. Faça o curso por correspondência e tenha a sua própria igreja! Em 90 dias, receba o diploma e a carteirinha em casa".


Leio uma reportagem no Jornal do Brasil que diz que esse é um próspero investimento. As igrejas assim fundadas movimentam R$ 3 bilhões por ano e geram 2 milhões de empregos. É o negócio da fé daqueles que acreditam com fé neste negócio. Não é à toa que isto já está mobilizando 30 milhões de fiéis. Eu diria, "sócios" em vez de fiéis.

Como alguns leitores sabem, este cronista que vos aborrece teve uma formação protestante e, portanto, tem um certo conhecimento do que está falando. Estava até predestinado a ser pastor. Mas naquele tempo, as igrejas protestantes (que não se confundem com essas "seitas evangélicas" de hoje) eram uma meia dúzia só. E não havia pastor rico. E a preparação de um pastor era algo mais sério. Começava como "aspirante ao ministério" na adolescência. Depois enfrentava mais seis anos de Faculdade de Teologia, na qual se estudava até grego.
Agora acabo de saber que existe o "kit pastor". Você vira pastor pela internet, conforme modelo propalado pela Igreja Universal, que para isto tem apostilas e CDs.

Quão distante estamos do tempo dos profetas bíblicos em que Samuel ouvia a voz que o chamava vocacionalmente, quando Moisés ouvia o Senhor na sarça ardente e quando São João Batista, ouvindo também o chamado celeste, ia viver no deserto comendo gafanhoto e mel silvestre.

É aterrorizante o que leio sobre o "kit pastor": "O curso tem cinco módulos. No primeiro, o aluno tem aulas de história da religião. Depois recebe noções de administração para aplicar na igreja. Em seguida, os pastores aprendizes têm aulas de oratória e aprendem técnicas de persuasão. A última parte do curso é jurídica".


Em muitos desses programas de televisão, que se pretendem religiosos, percebe-se claramente que houve uma inversão no discurso: os pastores estão prometendo a felicidade aqui na Terra, não mais lá no Céu. É um detalhe importantíssimo. É como se esse papo de eternidade tivesse perdido seu charme. Então, prometem que quem mais colabora dando dinheiro, mais rico vai ficar aqui mesmo. É um discurso mais eficaz. Porque deixar para depois, para o improvável? Vamos tentar agora.

Acho que o Procon deveria cuidar deste problema, já que cuida dos direitos do consumidor diante de propaganda e produtos enganosos.
E nisto tudo há ainda outro detalhe econômico. Como abrir uma igreja implica isenção de tributos e como há sempre pessoas ingênuas e carentes, o negócio é dos melhores. Um grande negócio. Assim na Terra como no Céu. Amém.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA
69 anos, mineiro de Belo Horizonte, poeta, cronista, conferencista e escritor, diplomado pela Faculdade de Letras de BH, professor de literatura brasileira na Universidade da Califórnia (EUA) e Colônia (Alemanha)
 


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