Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013
agressão a crianças
Em 2002, houve 53 mil homicídios de menores de 18 anos e 150 milhões de meninas submetidas à violência sexual
Estudo diz que faltam estratégias adequadas para combater o problema, que ainda esbarra no medo de denunciar os agressores
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A proteção às crianças contra todas as formas de violência, apesar de ser um compromisso assumido pelos países que integram as Nações Unidas, ainda está longe de ser cumprida.
Mesmo com os progressos obtidos nos últimos anos, principalmente relacionados à legislação, as estratégias adotadas por governos e sociedade civil tendem a ser fragmentadas e com recursos insuficientes para combater o problema.
O reflexo disso está, por exemplo, em 53 mil homicídios de crianças registrados no mundo em 2002 e outros 150 milhões de casos de meninas com menos de 18 anos forçadas a manter relações sexuais ou que foram vítimas de algum tipo de abuso no mesmo ano. Entre meninos, o problema também perdura, atingindo 70 milhões deles. Já em 2004, chegava a 218 milhões o número de crianças trabalhando, sendo 126 milhões delas em atividades consideradas perigosas.
Esse quadro é descrito no relatório inédito "Estudo das Nações Unidas sobre a Violência contra Crianças". O trabalho foi coordenado pelo professor e pesquisador Paulo Sérgio Pinheiro, ligado ao Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo), como especialista independente designado pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan.
Contou com o apoio do Unicef (braço das Nações Unidas que trata da promoção e defesa dos direitos das crianças) e será apresentado à Assembléia Geral da ONU, na quarta-feira. No mesmo dia, a Folha promoverá um debate sobre o tema (leia texto nesta página).
O documento é baseado em relatórios encaminhados por 132 governos, consultas a organizações da sociedade civil -incluindo opinião das próprias crianças- e visitas realizadas em 17 países.
Família
O trabalho aponta a família como "fonte poderosa de proteção", já que a maior parte dos casos de agressão, violência ou negligência é praticada por pessoas próximas da vítima, como pais e familiares.
Considera violência desde as formas mais explícitas de agressão -abuso sexual, espancamentos- até as que chegam a ser aceitas pela sociedade como uma das maneiras de buscar "disciplinar" a criança.
Trata todas como injustificáveis e possíveis de serem prevenidas. "A disciplina por meio de punições físicas e humilhantes, "bullying" (intimidação) e assédio sexual é freqüentemente percebida como normal, particularmente quando não provoca lesões físicas "visíveis" ou duradouras", diz o texto.
Invisível
O relatório indica que, muitas vezes, a violência contra menores de 18 anos é camuflada. Isso porque as pessoas têm medo de denunciar agressões e abusos, aceitam certas formas de violência ou não encontram mecanismos seguros e confiáveis para fazer as denúncias.
"Em todas as regiões, contradizendo obrigações de respeito aos direitos humanos e às necessidades de desenvolvimento da criança, a violência contra crianças é um fenômeno socialmente aprovado e freqüentemente legal e autorizado pelo Estado", diz o documento.
O estudo afirma que 106 países não proíbem o uso de castigo corporal na escola.
No Brasil, tramita no Congresso um projeto de lei proibindo o castigo físico seja no lar, na escola ou em instituições e abrigos. Pela proposta, caso seja comprovada a agressão, mesmo que sob o argumento de método pedagógico, os responsáveis podem ser encaminhados, por exemplo, a órgãos de atendimento psicológico.
O país conta também com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) -apesar de nem todos os artigos vigorarem plenamente- e com o serviço disque-denúncia nacional.
Por meio do número de telefone 100, pessoas podem denunciar desde casos de abuso sexual até agressões e tráfico de crianças. Funciona das 8h às 22h. Nos primeiros seis meses do ano, teve 6.020 denúncias. Do total de casos registrados até hoje pelo serviço, 15% são de abuso sexual.
Recomendações
O relatório traz, além de sugestões direcionadas a famílias, escolas, instituições e locais de trabalho, 12 recomendações gerais voltadas aos governos.
Uma delas é que os países adotem medidas mais efetivas para acabar com todas as formas de violência. Sugere ainda o incentivo a campanhas educativas, visando modificar atitudes de tolerância ou aceitação da violência. Aponta também para a necessidade de serem implantadas políticas preventivas aliadas a programas sociais de combate à pobreza, à desigualdade de gênero e a diferenças sociais.
Fonte: Folha de S.Paulo, 8 de outubro de 2006.