Publicado por José Geraldo Magalhães em Música e Arte, Geral - 31/01/2014
A vida de Carlos Wesley, o poeta do Metodismo (1707-1788)
Paul E. Buyers
(OBS: Esse texto corresponde ao capítulo II do livro "Os fundadores do Metodismo", escrito e publicado em 1929 pela Imprensa Metodista).
Se João Wesley foi organizador do Metodismo, Carlos Wesley, seu irmão mais moço, foi o poeta e cantor do mesmo movimento. João elaborou os vinte e cinco Artigos de Religião, As Regras Gerais, e o seu Comentário do Novo Testamento e escreveu os cinqüenta e dois sermões, dando assim o padrão das doutrinas do Metodismo; porém, foi o Carlos Wesley que deu alma a essas doutrinas, nos hinos que escreveu. Enquanto centenas de pessoas lêem o padrão de doutrinas, milhares cantam os hinos. É difícil dizer qual dos dois tem influído mais sobre a vida religiosa do povo. Estes dois irmãos eram toa essenciais a este movimento como os dois lados são essenciais à mesma medalha.
I - NASCIMENTO DE CARLOS WESLEY
Quando nasce uma criança, o mundo tem uma nova oportunidade, como disse alguém. Não podemos calcular o valor encerrado na vida de uma criancinha. A milícia celestial cantou louvores na ocasião do nascimento do bebê de Belém. Quando o menino Carlos nasceu na casa pastoral, em Epworth, Inglaterra, quem poderia imaginar que milhões de pessoas, através dos séculos, viriam a cantar hinos de louvor escritos por ele?
1. Os pais
O menino Carlos Wesley não tinha motivos para se envergonhar de seus pais, pois eram pessoas que representavam o que havia de melhor na vida social e religiosa da Inglaterra.
Seu pai, Rev. Samuel Wesley, era vigário na Igreja Anglicana e bem educado, tendo feito seus estudos na Universidade de Oxford. Era literato e poeta. Seu comentário do Livro de Jó foi a sua melhor obra. Mas foi preso uma vez por causa de dívidas, pois não sabia administrar suas finanças.
Sua mãe, Suzana Wesley, descendia de família distinta. Era uma senhora excepcional. Em pequena revelara vigor mental. Não preferia gastar mais tempo em diversões do que em devoções religiosas. Seu pai, Sr. Samuel Annesley, era não-conformista; porém ela, depois de estudar a questão de si mesma, resolveu, aos treze anos de idade, identificar-se com a Igreja Anglicana. Era bonita, mas o que mais a distinguia eram a força de seu caráter, o seu bom senso, sua inteligência e sua dedicação a seu marido, à família e aos vizinhos. O Dr. Adam Clarke, referindo-se a ela, disse: "Conheço muitas senhoras piedosas, tenho lido a respeito de outras; mas nunca vi ou li qualquer coisa acerca de outras que reunissem todas as qualidades que ela possuía".
O Dr. John Telford disse também: "A sua paciência em tempo de aflição, o domínio sobre si mesma, a educação de sua numerosa família, o seu juízo amadurecido e o seu trabalho evangelizante, concorreram para torná-la merecedora do título de honra que em muito poucas mulheres possuem".
2. Seu nascimento e a influência que seus pais exerceram sobre ele.
Há alguma dúvida acerca da data do nascimento de Carlos Wesley, porque o arquivo em que se achava registrada a data de seu nascimento foi consumido pelo fogo por ocasião do incêndio na casa pastoral. Porém dá-se como sendo a data mais provável o dia 18 de Dezembro de 1707. Nesse dia o lar do pastor de Epwoth foi surpreendido pelo nascimento do décimo oitavo filho do casal, nascido fora de tempo. A criança que parecia mais morta do que viva, não chorava nem abria os olhos. Foi necessário enfaixá-la em lã até vencer o prazo que faltava para completar o tempo em que devia ter nascido. Então começou a chorar e abrir os olhos. Foi assim que ele teve o seu advento ao mundo. Tinha em casa muitas irmãs e irmãos para o receberem, porém, melhor do que tudo, contava com os braços de uma carinhosa mãe para o amparar.
Nasceu na época mais trabalhosa em toda a história do seu lar, pois logo depois de seu nascimento a casa pastoral incendiou-se e não foi possível reconstruí-la e mobiliá-la como era anteriormente. Ele, pois, aprendeu a passar com pouco; mas o que lhe faltara em confortos materiais foi compensado pela instrução de uma mãe piedosa e carinhosa. Sua mãe, desde o princípio da vida, começou a ensiná-lo, bem como a seus demais irmãos e irmãs, a terem horas certas para comer e dormir. Impunha-lhes o dever de serem bondosos para com as criadas e uns para com outros, e, acima de tudo o de obedecer. Muito cedo foram instruídos nas coisas religiosas e cada um por sua vez tinha de pedir a bênção nas refeições. Mesmo antes de poderem andar aprenderam a distinguir o domingo dos demais dias da semana.
Sua vida escolar, quando tinha cinco anos de idade, começou sob a direção de sua mãe. Teve que aprender o alfabeto durante o primeiro dia de aulas. Estas começavam e fechavam-se com o cântico de um salmo. Os alunos eram estimulados a confessar suas faltas sob a promessa de que não seriam castigados. Desta maneira a mãe conseguiu remover muitas tentações de mentir, reconhecendo ela sempre qualquer sinal da parte dos filhos para lhe agradar. Foi sob essas condições que Carlos passou os primeiros três ou quatro anos de sua vida escolar. Nesse período, não somente aprendeu alguma coisa dos livros, mas, o que era ainda de maior importância, aprendeu a dominar-se, a refrear-se a si mesmo, a respeitar os outros e a obedecer a seus superiores.
II - SUA EDUCAÇÃO
Seu irmão mais velho, Samuel Wesley, que havia casado e morava em Londres, onde ocupava um cargo na Escola de Westminster, queria ajudar a seus pais na educação de seu irmão mais moço, Carlos Wesley. Com este fim levou Carlos para sua casa e o colocou na Escola de Westminster, uma das melhores escolas deste tipo na Inglaterra. Ali Samuel havia também estudado quando pequeno. Seu pai tinha razão quando dizia haver dado aos seus três filhos a melhor educação que se podia obter na Inglaterra, pois os mandara para as melhores escolas existentes naquela época.
O menino Carlos, com nove anos, matriculou-se, em 1776, na Escola de Westminster e morava com seu irmão Samuel. Cinco anos passou estudando em Londres. Foi bom aluno e ganhou um prêmio oferecido pelo rei, isto é, o direito de continuar os seus estudos com todas as suas despesas pagas na Universidade de Oxford. Além disso, foi eleito capitão dos graduandos no quarto ano de seus estudos. Mas, visto só ter treze anos de idade quando eleito, e ter direito a cinco anos de estudos na Universidade em vez de quatro, ele aproveitou os cinco anos e no quinto ano chegou ao lugar de chefe de sua turma, uma honra muito cobiçada pelos alunos naquela época.
Além das honras obtidas por seus estudos, não deixou de ganhar também algum louvor pelas lutas pugilísticas em que se empenhou com seus colegas. Era corajoso e não poucos foram os combates que teve durante a mocidade. No segundo ano de sua estadia na Escola de Westminster fez-se defensor de um aluno, Guilherme Murray, um escocês, que se tornou alvo dos motejos dos demais rapazes por causa do seu modo de falar, e por sua causa, muitas brigas Carlos Wesley teve que sustentar. Ganhou, porém, a amizade deste rapaz, amizade que se estendeu até o fim da vida. Muitos anos depois, Guilherme Murray veio a ser Juiz do Supremo Tribunal da Inglaterra e Conde de Mansfield e não se esqueceu do seu amigo Carlos Wesley. Muitas vezes, às tardes, visitava a família de Carlos Wesley, então pregador metodista em Londres.
Durante seus estudos na escola de Westminster, um homem rico, chamado Garret Wesley, cavalheiro irlandês, escreveu ao Rev. Samuel Wesley pedindo informações a respeito de seu filho Carlos, pois queria adotá-lo como seu herdeiro se viesse a morar com ele na Irlanda.
O Rev. Samuel Wesley deixou seu filho Carlos decidir a questão. Garret Wesley foi a Londres para ver a Carlos e conversar com ele sobre o assunto; Carlos, porém, não quis aceitar a proposta. O homem gostou tanto dele que não deixou de o ajudar em suas despesas na escola. Dois anos antes de Carlos completar seus estudos, Garret morreu deixando grande fortuna, que poderia ser de Carlos, se este houvesse aceitado a proposta. Mas, perguntamos, se o Sr. Carlos Wesley tivesse aceitado esta proposta, teria ele feito o que fez para o bem da humanidade?
Só Deus o sabe. João Wesley, escrevendo sobre isso mais tarde, disse que a fortuna que Carlos perdeu foi um bom prejuízo.
Em 1726, Carlos Wesley foi promovido a aluno em "Christ Church", na Universidade de Oxford. Nesta mesma Universidade seu irmão João, seu pai e seu avô tinham estudado. Também, nesse mesmo ano, seu irmão João foi eleito instrutor, no "Lincoln College", em Oxford. Assim tinham o privilégio de estar juntos, em Oxford, como Carlos havia desfrutado a convivência de seu irmão mais velho em Londres.
Carlos Wesley tinha então dezenove anos de idade; gozava saúde e era dotado de muita vivacidade. Porém justamente nessa época se tornou mais indiferente para com as coisas religiosas. Seu irmão João notara isso e procurava despertar a atenção de Carlos para os seus deveres religiosos; porém, Carlos não apreciava muito o interesse manifestado por seu irmão neste sentido. Ele apreciava sua liberdade e gostava das diversões que a vida universitária lhe proporcionava. Realmente, perdeu os primeiros doze meses em diversões. Seu irmão João, referindo-se a esse fato diz: "Quando eu falava com ele sobre religião, respondia contrariado: "Qual! Quer que eu fique santo de vez?" E não queria ouvir mais.
Logo depois que Carlos chegou a Oxford, seu irmão João teve de se retirar daquela cidade para ajudar ao seu pai em Wroote. Ficando assim, sozinho, separado de seus irmãos, descobriu que tinha que enfrentar os problemas de sua vida e resolvê-los por si mesmo. Por essa forma mudou seu modo de encarar a vida. Ele diz: "A situação levou-me a refletir seriamente. Comecei a assistir (participar) a comunhão, semanalmente, e persuadi a mais dois rapazes, estudantes, a irem estudar comigo o curso prescrito pelos estatutos da Universidade. Isso deu-me o nome de "Metodista"."
Agora almejava o auxilio de seu irmão que havia desprezado. Foi então que escreveu a João, pedindo conselhos. Até aqui, desde a meninice, tinham estado separados um do outro, mas de agora em diante, começaram aquela camaradagem que continuou até o fim da vida. Em uma das cartas que escreveu a João nessa época, ele disse:
"Deus houve por bem privar-me de tua companhia para assim aumentar o meu fardo. Deus que pode me fortalecer há de me conservar firme até nós nos encontrarmos outra vez. E espero que nem antes, nem depois daquela hora, cairei de novo em estado de insensibilidade. Será pelo teu auxílio, creio eu, que Deus completará aquilo que já começou em mim; e a nenhuma outra pessoa preferiria para conseguir esse fim, irmão, senão a ti. Sem duvida é devido às orações de alguém (às de minha mãe, talvez) que tenho sido levado a pensar assim, pois eu não posso explicar como, nem quando, eu me acordei do estado de letargia em que eu me achava : somente sei que foi logo depois de tua retirada daqui".
A natureza de Carlos exigia a convivência de amigos. Era dotado de disposições para amizade e vida social. Logo depois de seu despertamento, manifestou vontade de ajudar a outros rapazes que tinham desejo de seguir a Cristo. Um colega seu, que morava perto do seu quarto, tinha pendor para a vida religiosa, mas tinha acanhamento dos seus colegas e lhe faltava coragem para comungar todas as semanas, porque seus colegas o ridicularizavam. Mas pela influência e coragem de Carlos Wesley venceu essa tentação, identificando-se com ele. Foi mais ou menos nessa época que João Wesley voltou para Oxford, conforme os desejos de Carlos. Este estava agora bem disposto para aproveitar qualquer auxílio que seu irmão lhe pudesse prestar.
João Wesley voltou à Universidade, em novembro de 1729, ali encontrado um grupo de rapazes associados a seu irmão Carlos e que já haviam recebido também o apelido de "Metodistas". Havia, então, só três jovens nesse grupo, porém o comportamento e o bom testemunho desses rapazes tinham atraído a atenção de todos os alunos de Oxford.
Pouco tempo depois João Wesley foi escolhido para chefe do grupo e o número aumentou. Foi por influência de Carlos Wesley que George Whitefield chegou a identificar-se com o grupo.
Carlos Wesley completou seus estudos na Universidade, sendo nomeado instrutor da mesma, à semelhança do seu irmão. Sua vida acadêmica terminou ao mesmo tempo que a do seu irmão João. Seu pai faleceu em 1735, e os dois irmãos se achavam juntos de seu pai nessa ocasião.
Depois de ter ensinado e estudado na Universidade por alguns anos, resolveram deixar a vida acadêmica e dedicar-se a outras ocupações.
III - O TRABALHO NA AMÉRICA.
Dentro de seis meses, depois da morte de seu pai, Carlos Wesley achava-se embarcando no navio "Simmonds" para a América. O destino do navio era Savannah, Geórgia, colônia fundada pelo general Oglethorpe, em 1732. O fim dessa colônia era aliviar a aflição dos pobres endividados e encarcerados na Inglaterra. O governo inglês tinha cedido uma zona na América, para fundar tal colônia. O general Oglethorpe estava procurando meios e homens com os quais pudesse estabelecer esse novo lar para essas pessoas infortunadas. Ele precisava de um capelão e de um secretário. Como João, irmão de Carlos, houvesse aceitado o lugar de capelão, este resolveu aceitar o cargo de secretário.
Mas, antes de embarcar, a questão da sua ordenação se levantou. Ele hesitava em aceitar a ordenação, mas um professor do "Corpus Christ College", também um dos depositários da nova colônia, insistia que ele se ordenasse. O Dr. Potter, bispo de Oxford, o ordenou diácono; e o Dr. Gibson, de Londres, o ordenou presbítero, no domingo seguinte.
Os irmãos Wesley aceitaram esse trabalho, não porque não tivessem o que fazer na Inglaterra, mas porque era missão difícil e exigia abnegação. Além do seu irmão João, tinha consigo mais dois colegas da Universidade, os Srs. Benjamin Ingham e Carlos Delamote.
Embarcaram no dia 14 de outubro de 1735, no porto que se chama Gravesend. Organizaram um horário, que observaram rigidamente durante a viagem pelo mar. Carlos Wesley dedicava-se a escrever sermões, enquanto o seu irmão João estudava a língua alemã. Ele ficou bem impressionado com o comportamento dos moravianos, imigrantes alemães, que iam para a Geórgia.
Logo que chegaram, Carlos foi para Frederica onde entrou no seu trabalho com ardor e entusiasmo. Mas não foi tão bem sucedido como imaginava. Seu zelo e os sermões que pregava não eram o que os colonos precisavam. Estes não se queriam submeter a regulamentos tão severos, e, por isso, começaram por criticá-lo e levantaram calúnias contra ele, dando isso em resultado que o general Oglethorpe chegou a desconfiar dele. Podemos imaginar os apuros pelos quais passou este homem acostumado às comodidades de uma universidade, lançando agora uma floresta de mata virgem, onde tinha que dormir no chão e passar fome! A desconfiança do general Oglethorpe chegou ao ponto de levá-lo a não querer ceder coisa alguma para ele.
Enquanto permanecia este estado de coisas, Carlos Wesley caiu doente de febre e fluxo. Se um casal pobre não o tivesse socorrido nessa ocasião, teria morrido. Diz ele: "O Sr. Davison, o meu bom samaritano, me visitava freqüentemente ou mandava a sua esposa para me servir. A seus cuidados, e à proteção de Deus devo a minha vida".
Foi durante essa época que seu irmão João foi visitá-lo e conseguiu novamente reconciliar o general Oglethorpe com ele. Tudo se modificou logo. Todas as suas necessidades físicas foram supridas e o general mostrou mais confiança nele. Mas Carlos Wesley não era o homem para tal trabalho. Não gostava do serviço que tinha que fazer. Diz ele: "Estava completamente exausto de escrever cartas para Oglethorpe. Não passaria mais seis dias desta maneira nem a trôco de toda a colônia de Geórgia". Além das cartas que tinha que escrever, havia outros documentos que tinha de elaborar. Raras vezes conseguia terminar seu trabalho antes de meia-noite. Ele pediu sua demissão do cargo de secretário. Foi concedida, sendo ele incumbido de levar alguns despachos para Londres.
A viagem para a Inglaterra foi péssima. Só por milagre escapou com vida dos perigos que correra.
Havia chegado à América no dia 6 de fevereiro de 1736, tendo embarcado para a Inglaterra no dia 26 de outubro do mesmo ano.
Tinha que ir a Charleston para embarcar. O seu irmão foi com ele até lá, ali passando cinco dias em sua companhia, até seu embarque. Ele ficou horrorizado com a escravidão nas colônias americanas.
Embarcou em Charleston no dia 11 de agosto para Boston. O capitão do navio, em ébrio, libertino e blasfemador, cedeu a "cabina" de Carlos Wesley a outrem e Carlos teve que dormir sobre uma cômoda. Por seis semanas Carlos teve de aturar a malvadez desse homem embrutecido pelos múltiplos vícios. Diversas vezes a vida de todos a bordo correu perigo de naufrágio, pela estupidez desse capitão embriagado. Sem dúvida foi repreendido por Carlos Wesley, porém a única recompensa que este tirou do seu cuidado foi ser acusado de "ébrio, louco, demônio, jesuíta e diabo", pelo capitão. Porém Carlos deu-lhe como única resposta o silêncio, aparentando ignorar o que ele dizia e conversando em latim com um outro passageiro de bordo.
Foi bem recebido e tratado em Boston, porém a moléstia que apanhou em Fredereica voltou com muita força e quase o matou. Porém melhorou ainda a tempo de embarcar para a Inglaterra no dia 26 de outubro. A viagem para a Inglaterra foi também péssima. O navio enchia-se d’água constantemente e os doze marinheiros tinham que fazer funcionar constantemente uma bomba para aliviar o navio da água que entrava. Além disso o tempo era tempestuoso e diversas vezes o navio correu perigo de ir a pique. Foi um dia de alegria e de gratidão o de seu desembarque em Deal, a 2 de dezembro de 1736. Em poucos dias chegou a Londres, onde entregou os despachos às autoridades competentes.
IV - SUA CONVERSÃO.
Uma vez em Londres, encontrou muitos dos seus antigos amigos, que lhe ofereceram suas casas e hospedagem. Também foi alvo de muitas atenções devido às relações que mantinha com o general Oglethorpe e a colônia americana. Dois dos depositários desta colônia ofereceram-lhe hospedagem gratuitamente em suas casa. Além dessas atenções teve a honra de fazer um discurso perante o rei e foi convidado a participar de um banquete oferecido pelo mesmo rei. Todos os que tinham interesse na colônia da Geórgia dispensavam-lhe cortesias. Ele tinha desejo e intenção de voltar para a América, porém não mais para exercer o cargo de secretário do general Oglethorpe, mas como missionário aos colonos e aos índios.
O primeiro ano depois de sua volta da América foi gasto em visitas a amigos, e parentes em Londres, Oxford e outros lugares em redor.
O Conde Zinzendorf, chefe dos Moravianos, vindo a Londres consultar os oficiais a respeito dos colonos moravianos de Geórgia, tendo notícia do regresso de Carlos Wesley, convidou-o a visitá-lo. Aceito o convite, por intermédio de Carlos, o conde conseguiu tudo quanto queria. Assim Carlos renovou o seu contato com esta gente piedosa. Aceitou um convite para assistir a uma reunião deles em Londres. Referindo-se a essa reunião Carlos disse: "Parecia-me estar no meio de um coro de anjos". O Conde Zinzendorf convidou-o a acompanhá-lo à Alemanha e Carlos desejava atendê-lo, porém as circunstâncias não lho permitiram. Sempre se referia religiosamente aos seus amigos moravianos.
Visitando seus parentes, alguns mostraram pouco caso em referência a seu trabalho e ao de seu irmão João na América, especialmente, seu tio Matheus, um médico que, antes da ida de seus sobrinhos à América, havia insultado o general Oglethorpe.
Motejando-os, o Sr. Matheus disse: "Os franceses, quando têm qualquer homem notável por sua estupidez, mandam-no converter os índios".
A essa caçoada Carlos Wesley replicou, repetindo as seguintes linhas escritas por seu irmão:
"To distant realms the apostles need not roam,
Darkness, alas; and heathers are at home".
("Aos reinos distantes os apóstolos não precisam ir,
Pois, trevas e pagãos estão em casa a rir".)
A isso ele não respondeu e nada mais disse sobre o apostolado do irmão de Carlos.
Durante o tempo que passou em visita a seus amigos e parentes não deixou de pregar e dedicar-se a trabalhos religiosos. Em sua visita a Oxford identificou-se com o "Clube Santo", ocupando-se em visitar e ministrar aos presos. Os membros do "Clube Santo", os "Metodistas", sentiram-se animados ouvindo a leitura do Diário de João Wesley.
Mas era evidente que Carlos Wesley não estava satisfeito com a sua própria experiência cristã; faltava-lhe alguma coisa. A leitura dos livros escritos pelo Sr. Law não satisfazia o seu coração. Um dia ele procurou o Sr. Law para conversar sobre o assunto e o resultado da conversa se resumiu no conselho seguinte: "Renuncie-se a si mesmo, e seja paciente". Na visita seguinte, o Sr. Law confessou que não podia acrescentar qualquer outra coisa; já tinha feito tudo que podia para orientá-lo. Carlos Wesley, mais tarde, em sua velhice, refletindo sobre essa época de sua vida, disse: "O Sr. Law foi o nosso João Batista". Se o Sr. Law tivesse continuado a ser o mestre dos irmãos Wesley, a grande revivificação evangelística não teria sido provocada por João e Carlos Wesley. Eles precisavam de uma experiência mais clara e positiva.
Carlos Wesley não era, nessa época, verdadeiramente convertido, porém buscava sinceramente mais luz e orientação espiritual. George Whitefield tinha voltado da América e eletrizava o povo com sua eloqüência e ardor. Carlos Wesley ouvia suas pregações e convidava seus amigos para também as ouvirem.
Carlos já estava pronto a embarcar de novo para a América, porém diversas coisas concorreram para impedi-lo. Seu irmão João tinha chegado da América trazendo notícias do triste estado em que se achava a colônia de Geórgia. Isso, em de vez de desanimá-lo, provocou ainda mais seu entusiasmo para ir.
Consultando a sua mãe sobre isso, ela não concordou em repetir o que tinha dito ao filho da primeira vez: "Se tivesse vinte filhos, gostaria de vê-los assim empregados, ainda que não pudesse eu mais vê-los". Ela mudou sua atitude, não porque tivesse menos interesse pelo trabalho missionário, mas porque julgava que seu filho não se adaptava a esta qualidade de trabalho e que Deus tinha serviço para ele na Inglaterra.
Foi nessa ocasião que ele caiu muito doente, atacado pela doença que adquirira na América. Quando melhorou e entrou em convalescença, o médico disse-lhe que a enfermidade lhe seria fatal se voltasse outra vez para a América. Só assim foi que, finalmente, abandonou a esperança de voltar para a América. Deus tinha outro plano para ele.
Poucos dias antes de cair doente em Oxford, foi apresentado a Pedro Bôhler, o moraviano. Durante sua longa doença Pedro Bôhler o visitou um dia. Carlos Wesley pediu que o moraviano orasse por ele. Bôhler fez uma oração muito tocante e em seguida, tomando Carlos pela mão, disse: "O irmão não morrerá desta vez". (Estas palavras foram notáveis, pois Carlos julgava que não podia suportar mais um dia a dor que sentia). "O irmão tem esperança de ser salvo?" "Sim", respondeu Carlos. Quando Bôhler quis saber qual era a base de sua esperança, Carlos disse: "Porque tenho me esforçado para servir a Deus". Bôhler meneou a cabeça, mas não disse nada. Carlos julgou muito cruel ser roubado de sua confiança e perguntou a si mesmo: "Não são os meus esforços suficientes para garantir a minha esperança?" Esta pergunta revelou a grande distância que tinha que caminhar antes de alcançar a salvação mediante a fé.
Carlos Wesley melhorou e foi para Londres, onde encontrou de novo Pedro Bôhler. Ali teve outro ataque de seu incômodo. Estava hospedado em casa do Sr. Hutton. Durante sua doença foi visitado outra vez pelo Sr. Bôhler. Sobre essa visita Carlos disse: "De manhã o médico, Dr. Cockburn, me visitou; e também um outro médico, ainda melhor, Pedro Bôhler, aquele que Deus retivera na Inglaterra para meu próprio benefício’. Na ocasião desta visita Bôhler orou para que Carlos viesse a compreender qual era a vontade de Deus para com ele nas suas aflições. Assim Carlos compreendeu que tudo isso estava acontecendo para levá-lo a examinar-se a si mesmo, para que não confiasse em si, mas em Cristo, pela fé.
Por três semanas buscou a salvação com toda a sua alma. A dificuldade para Carlos, como aconteceu a seu irmão João, era crer que alguém se pudesse converter instantaneamente. Na véspera de sua partida de Londres, Bôhler visitou Carlos Wesley e teve satisfação em ouvi-lo confessar que estava convicto de incredulidade e que não tinha o espírito de perdoar, mas que esperava, antes de morrer, alcançar a salvação na morte e paixão de Cristo. Sem dúvida foi isso que levou João Wesley a escrever: "Foi o beneplácito de Deus para abrir os olhos dele (Carlos), de modo que enxergasse mais claramente a natureza daquela fé verdadeira e viva, pela qual, mediante a graça, somos salvos".
Ele comungou e, sentindo-se um pouco confortado, concluiu que os moravianos não tinham razão em afirmar que um homem não pode ter a paz enquanto não tiver a segurança do perdão; mas descobriu pela experiência que nisso estava errado. Uma vez desenganado de que não podia ter a paz na alma enquanto faltasse a fé, começou a buscá-la de todo coração e falava com outros sobre o assunto.
Foi neste estado de espírito que resolveu ir à casa de Hutton; porém nessa ocasião recebeu a visita de Bray, um mecânico pobre e ignorante, mas crente fervoroso. Este homem não conhecia a ciência, mas conhecia a Cristo. Ele orou com Carlos Wesley, e tão tocante foi o culto que tiveram juntos, que Carlos resolveu ir passar algum tempo em casa deste irmão pobre até que alcançasse a fé salvadora.
Estava, porém, tão fraco que teve de ser levado à casa deste irmão numa cadeira. Durante os dez dias que passou em casa deste homem simples que lhe servia de guia espiritual foi visitado por amigos e por seu irmão João. Todos oraram por ele. Rodeado de tantos amigos que se interessavam por seu bem estar ficou impressionado. Seu hospedeiro, o Sr. Bray, trabalhou muito com ele, mas às vezes chegava a ficar desanimado. Um dia, quando já havia feito tudo quanto podia lembrar, Bray disse-lhe que, em tais ocasiões, tinha tirado muito proveito lendo a Bíblia. Abriu então o Novo Testamento, no Capítulo nono do Evangelho de Mateus, e leu. Quando lia, Carlos Wesley, escutando a descrição da cura do paralítico, cobrou ânimo e creu que a fé que seu hospedeiro tinha seria poderosa também para sua própria salvação.
No dia seguinte ele se converteu. Era o dia de Pentecostes. Às nove horas da manhã o seu irmão João e alguns amigos o visitaram e juntos oraram e cantaram um hino ao Espírito Santo. Ali se demoraram meia hora. Carlos Wesley entregou-se à oração pedindo o cumprimento da promessa do dom do espírito Santo. Sentindo-se fraco no corpo, desejou dormir e quando estava se acomodando para dormir ouviu uma voz que dizia: "Em nome de Jesus de Nazareth, levanta-te e crê, e serás curado das tuas enfermidades". Estas palavras fizeram grande impressão sobre ele. "Oh! Se Cristo me falasse assim...", suspirou ele. Aquelas palavras foram preferidas por uma senhora que havia alcançado a salvação pela fé. Ele confiou em Cristo e somente nele e logo alcançou paz para sua alma. Poucas horas depois as boas notícias chegaram aos ouvidos do seu irmão João que escreveu: "Eu recebi a notícia que meu irmão alcançara paz para sua alma. A força física voltou a seu cor po desde àquela hora. Quem é semelhante a nosso Deus?"
Este dia, o dia 21 de Maio de 1738, foi um dia memorável na vida de Carlos Wesley. Foi o começo de uma nova época em sua vida.
Em pouco tempo estava com sua saúde restaurada e trabalhando entre os seus amigos, pregando as boas novas de salvação. Visitava muitas famílias e sempre onde quer que fosse era uma benção para o povo. Tinha dom especial de fazer visitas.
Logo depois se uniu por algum tempo a George Whitefield e tornou-se pregador ao ar livre. Mais tarde aceitou o cargo pastor de uma igreja em Islington.
V - SUA ATIVIDADE COMO ITINERANTE
Sua posição como pastor da Igreja de Islington tornava-se cada vez mais difícil. Os oficiais da Igreja não estavam contentes com ele e com suas pregações. Um dia, quando ia subir ao púlpito para pregar, dois homens, mandados pelos oficiais da Igreja, impediram-no de pregar obstando-lhe o caminho. Carlos Wesley, não querendo provocar uma cena na igreja, cedeu o lugar a outro pregador. Alguns dias depois, quando Whitefield ia ocupar o mesmo púlpito, ele foi impedido ao acompanhá-lo, pois quatro homens estacionados nas escadas do púlpito lhe toleram a subida. Whitefield, lembrando-se da escritura que diz: "O servo do Senhor não deve brigar", retirou-se da Igreja e, entrando no cemitério, ali pregou ao povo que o seguira, deixando os quatro homens guardando o púlpito com a casa vazia. Está claro que Carlos Wesley não podia continuar como pastor por muito mais tempo em tais condições.
Demitindo-se deste cargo entrou para o trabalho de itinerante, pregando onde podia encontrar povo.
A princípio dedicou seu tempo ao trabalho em Londres, onde foi ricamente abençoado no seu ministério, especialmente entre os mineiros. O povo, que havia sido negligenciado pelo clero e pela igreja, respondia francamente a seus esforços. Um clérigo disse a Carlos Wesley que o número de comungantes em sua paróquia havia aumentado de cem pessoas. Carlos ofereceu-se para ajudá-lo a administrar a santa ceia, porém não foi aceito.
As perseguições não tinham começado ainda, porém havia sinais delas. Na pequena cidade de Bengeworth, sua paciência foi posta à prova. Nesta cidade um tal de Seaward, um professor, quis contrariar o trabalho de Carlos Wesley. Acusou Carlos Wesley de ter roubado o seu irmão, ameaçando-o se aparecesse outra vez nos campos para pregar. Mas Carlos era de uma têmpera tal que quanto mais era ameaçado tanto mais coragem sentia. À hora marcada para a realização do culto ao ar livre, veio também o tal professor acompanhado de grande número de homens embriagados. Quando Carlos Wesley se levantou para falar ao povo, o professor também se levantou perto dele para falar. Porém Carlos podia falar melhor e, quando sua voz não podia ser ouvida, o povo o ajudava a cantar hinos. Ele assim descreve este incidente: "Por quase uma hora ele (o professor) falou por seu mestre, e eu pelo meu; porém a minha voz prevaleceu. Às vezes fizemos oração, às vezes cantamos hinos e demos louvores a Deus. O Senhor Deus estava conosco e o grito de um rei estava conosco. No meio destes tumultos, acusação e blasfêmia, eu sentia calmo o meu espírito, mesmo quando pregava o Evangelho com grande contenda. Estas pequenas coisas estavam me preparando para coisas maiores".
Levantou-se uma controvérsia sobre doutrina, entre os metodistas e os Calvinistas. Carlos Wesley exerceu o papel de pacificador. Não gostava de controvérsia. Porém esta controvérsia assumiu tal proporção que provocou certo arrefecimento de amizade entre ele e George Whitefield e outros amigos. Igualmente a divergência entre os Metodistas e Moravianos causou uma separação entre eles.
Até 1742 o trabalho dos irmãos Wesley tinha sido limitado às cidades de Londres e Bristol. Mas depois da visita que João Wesley fez ao norte da Inglaterra até Newcastle, o trabalho itinerante dos Metodistas estendeu-se por toda parte da Inglaterra, Galles, Escócia e Irlanda.
Durante uns dez anos Carlos Wesley viajou tanto quanto seu irmão João. Mas poucos anos depois do seu casamento limitou-se às cidades de Bristol e Londres.
Para ser um itinerante precisava de coragem, pois não somente tinha que viajar bastante a cavalo, debaixo de chuva, neve, calor e frio, porém tinha que enfrentar os motins e perseguições constantes. Mais tarde, depois de conquistar a confiança do povo, em vez de pancadas recebia boas-vindas.
Para narrar tudo quanto fez durante os dezesseis anos de itinerância seria necessário escrever volumes historiando fatos e incidentes ocorridos durante sua vida. Porém, ao nosso objetivo, basta citar alguns fatos que servirão como amostra das muitas outras coisas que fez.
Na viagem que fez ao norte da Inglaterra, em 1743, no mês de maio, sofreu algumas perseguições terríveis. Em sua visita a Wednerbury foi atacado por um grupo de amotinados. Assim descreve ele esse episódio:
"A rua estava cheia de bestas de Epheso (o povo do lugar agiu a mandado do chefe), que berravam e gritavam e jogavam pedras incessantemente. Muitas delas me atingiram sem me ferir. Eu insistia com eles para que se entregassem a Cristo. Quando me retirava, uma onda desses desordeiros me precipitou da escada. Levantei-me e, tendo despedido o povo com a benção, fui arremessado ao chão outra vez. Da mesma forma uma terceira vez, quando rendemos graças a Deus pela nossa salvação. Então estando na escada, exortei-os a se retirarem em paz, e passei pelo meio deles. Eles nos xingavam, porém não tiveram o poder de tocar nem um fio do nosso cabelo".
Quando passou por Sherffield, foi acusado de ser um traidor do rei. O soldado que levantou esta calúnia contra ele teve a ousadia de chegar à frente do pregador e colocar a ponta da sua espada ao peito do ministro. Carlos Wesley descobriu seu peito e olhou sorridente para o soldado e disse: "Eu sou temente a Deus e honro o rei". O capitão, cabisbaixo, deu um suspiro, guardou a espada na bainha e silenciosamente se retirou.
Ele tinha que confiar em Deus, e não na proteção dos oficiais das cidades, os quais às vezes instigavam o povo contra ele em vez de protegê-los. Mas, apesar de tudo isso, ele sempre aconselhava o povo a que fosse leal a Deus e à pátria. Muitas vezes, rodeado pelo povo amotinado, exortava-o a "que atendesse a todas as ordenanças da Igreja; a que se submetesse a todas as ordenanças dos homens por amor de Deus; que tapasse a boca de todos os gabadores, temendo a Deus e honrando o rei; e que evitasse o juízo de Deus que paira sobre as nossas cabeças mudando radicalmente o nosso modo de viver".
Os frutos de sua pregação não demoraram a manifestar-se entre o povo. Muitas cidades foram completamente transformadas. O povo tornou-se mais sério e ordeiro. Carlos Wesley assim diz no seu diário:
"No sábado, 4 de agosto de 1744, preguei em Gwennap, onde o povo está bem despertado. Muitos que não têm a coragem de entrar e fazer parte das Sociedades têm deixado os seus pecados pelo arrependimento e estão esperando o perdão. Toda a comunidade está ciente da mudança; porque a última visita do juiz não encontrou nenhum criminoso na prisão; uma coisa que nunca se deu, tanto quanto se lembrem os viventes. Por ocasião da última festa de orgias, não havia número suficiente para realizá-la, pois todos os homens foram riscados da lista do diabo, e agora estão lutando contra ele e não por ele".
Carlos Wesley diz que, passando por uma cidade, podia adivinhar as casas onde moravam famílias metodistas, pelos estragos - janelas quebradas, portas e paredes riscadas, etc.- que assim se apresentavam devido à violência dos ataques praticados contra elas.
Em Dublim, na Irlanda, ele sofreu bastante às mãos dos desordeiros. Naquela época os evangélicos tinham pouca influência no país. Não havia sociedades bíblicas, de temperança e de tratados. Um pregador metodista disse: "O pregador que não estiver pronto a morrer a qualquer hora não deve tentar pregar em Dublim". Não levou muito tempo para Carlos Wesley e seus colegas sentirem a força da verdade desta expressão. Apenas dez dias antes da sua chegada, a casa de culto foi atacada pelos papistas. Tiraram toda a mobília, levaram-na para fora, queimaram-na na praça pública e juraram que matariam todos os metodistas. Carlos Wesley foi ridicularizado e vaiado pelo povo nas ruas, porém ele conservava-se calmo e pregava onde podia e muitos assistiram as suas pregações. Antes de voltar para a Inglaterra conseguiu adquirir uma nova casa de culto com um sobrado onde os pregadores podiam hospedar-se.
VI - SUA RESIDÊNCIA E TRABALHO EM BRISTOL (1757-1771).
Como já observávamos, Carlos Wesley deixou de ser itinerante em 1757, devido às circunstâncias domésticas, mas nunca deixou de trabalhar em prol da causa de Cristo sob a bandeira metodista.
1. Seu casamento.
Entre todos os membros de sua numerosa família, ele foi o mais feliz de todos no seu casamento. Casou-se com miss. Sara Gwynne, da cidade de Garth, de Galles, no dia 8 de abril de 1749. O Sr. Gwynne era um homem abastado e de influência; tinha nove filhos e filhas e vinte criadas. Carlos Wesley, sendo um homem pobre e itinerante, antes dos pais de sua noiva consentiram em seu casamento com sua filha, teve que prometer e garantir um ordenado de cem libras esterlinas por ano. Seu irmão João Wesley ficou sendo um dos fiadores, contanto com o rendimento das publicações da Casa Publicadora, para suprir essa quantia.
Carlos travou conhecimento com miss. Sara, em Bristol, e teve ocasião de visitá-la uma ou duas vezes por ocasião das viagens que fez na Irlanda. Também ela e seu pai passaram algum tempo com os irmãos Wesley, em Londres, onde puderam verificar tudo que eles faziam, etc. Depois desta visita Carlos pediu-a em casamento. Quando fez isto, levou o seu irmão João consigo para passar alguns dias em casa da noiva. O contrato de casamento foi assinado pelos dois irmãos e tudo ficou combinado para a realização do casamento no dia marcado.
O ato do casamento foi celebrado com culto, cântico e oração. Casaram-se na capela que ficava perto da casa da noiva. Foi um dia ideal quanto ao tempo e também quanto ao comportamento da parte de todos que participaram do ato. Carlos tinha quarenta e dois anos e ela vinte e três. Ele ficou em casa do sogro dez dias depois do casamento, continuando depois as suas viagens de itinerante, deixando a esposa com seus pais. Uma vez ou outra ela o acompanhava.
Em 1º de setembro de 1743 mudaram-se para a sua própria casa. Sua vida doméstica foi iniciada com um culto de oração. Depois de seis anos de casados, escrevendo à sua esposa, disse: "Ao ler as passagens acerca do nosso casamento, tu não podeis imaginar quanto amor te tenho e a todos da tua família. A tua mãe, pai, primas e criadas têm se portado de tal modo para comigo que não posso deixar de os amar. E me recordo com prazer de todos os passos e de todas as circunstâncias em que a providência divina nos guiou em nosso amor. Eu me regozijo ao refletir sobre nossa união tão abençoada, e me sinto grato a todos que contribuíram para isso. Acima de tudo, quero agradecer ao nosso Bem feitor por te haver dado ao meu coração, para satisfazer os desígnios dele levar-lhe as "bodas de Cordeiro".
2. Seu trabalho em geral:
Carlos Wesley limitou-se, depois de 1756, ao trabalho em Bristol e Londres. Mas seu ministério foi ricamente abençoado. Residiu vinte e dois anos em Bristol.
Possuía grande facilidade de captar amizade. Era poeta e escreveu muitos hinos. Em suas visitas pastorais e às vezes no púlpito cantava um hino. Numerosas vezes se encontram referências sobre este ponto em sua biografia. Demonstrava interesse em visitar os pobres e os presos, prestando-lhes assistência tanto ao corpo como a alma.
Quando houve uma greve de mineiros em Bristol, viu-se que ele exercia maior influência e autoridade sobre o povo do que a própria polícia. Foi devido a ele que se conseguiu evitar maiores desastres.
Ele pregava com entusiasmo e energia, porém, às vezes, seus discursos eram sem vida; dependia da inspiração do momento. Raras vezes escrevia seus sermões; pregava de improviso. Mas quando sentia o fogo divino no coração não sabia parar, pregava por mais de duas horas.
Certa vez um jovem pregador resolveu deixar o ministério, porque se julgava incompetente. Porém um dia, assistindo à pregação de Carlos Wesley, num desses dias em que o fogo celeste não se acendera muito, ficou assaz impressionado pela lentidão com que o famoso pregador falava. Encostava-se no púlpito, colocava o cotovelo na Bíblia, etc. Quando viu isso, resolveu não abandonar o ministério, pois compreendera que todos os pregadores têm seus dias de inspiração e de desânimo. Sem dúvida, nessa ocasião, o fracasso do pregador foi o seu maior sucesso.
Em 1745 uma mulher converteu-se a Cristo por seu ministério. Foi Mrs. Priscilla Rich, a esposa do Sr. Rich, dono do teatro "Convent Garden Theathre". Era bonita, inteligente e uma atriz notável. Seu esposo ficou muito contrariado com isso, pois ela deixou de tomar parte nos espetáculos do teatro. Seu marido queria, por força, que continuasse. Um dia, insistindo para que voltasse à cena, ela lhe disse que se fosse obrigada a comparecer em público no teatro, daria seu testemunho e falaria contra o teatro; e como ele não quisesse tal coisa, deixou de aborrecê-la. Foi por meio dela que Carlos Wesley chegou a ter contato com as pessoas mais notáveis daquela época. Como seus filhos tinham dom para a música, teve por meio desta senhora e seu marido as melhores oportunidades para conhecer os melhores músicos na Inglaterra.
3. O poeta do Metodismo:
Não podemos avaliar a influência de Carlos Wesley quando consideramos a sua contribuição para a hinologia sagrada.
Ele escreveu 6.500 hinos. Estes hinos abrangem em seus sentimentos, todas as sensações da vida humana, sob quase todas as circunstâncias da vida.
Começou a escrever seus hinos em Geórgia e os escreveu até morrer. Era-lhe muito comum compor um hino enquanto viajava a cavalo. Chegando a alguma casa, entrava e pedia "pena, tinta, papel", reduzindo-o a escrito. Depois cumprimentava seus amigos e conversava com animação.
O Dr. Stoughton, falando sobre o valor da hinologia na Revivificação Evangélica, disse:
"A psalmodia, que tinha sido negligenciada na Inglaterra muito mais do que alguns leitores imaginam, foi tomada a sério pelos irmãos Wesley, desde o princípio com uma compreensão clara da sua importância e com um zelo que prometia sucesso. O Metodismo nunca se teria tornado o que é sem o sue hinário sem igual. Seu hinário talvez tenha contribuído mais para conservar a teologia evangélica do que os "Sermões de Wesley" e as "Notas sobre o Novo Testamento". Para cada pessoa que tenha lido os "Sermões" e as "Notas Sobre o Novo Testamento", mil têm cantado os hinos metodistas. Todas as divisões da Cristandade têm sido beneficiadas pela influência sobre o "fervor do Metodismo não pode haver dúvida; esse fervor é devido ao caráter concreto e pessoal de sua psalmodia. Ele não se limitou à contemplação calma e intelectual de temas abstratos, ainda que sagrados e sublimes; porém, tirou sua inspiração da experiência dos crentes, como soldados de Cristo, "lutando", "vigiando", "sofrendo", "trabalhando", e buscando a redenção completa. Podem-se notar nesses hinos o som da trombeta, o gemido dos feridos, o grito dos vitoriosos e o pranto do que acompanha o enterro do soldado".
O hino mais apreciado e cantado no mundo é "Oh! Amante Salvador" (número 28, do livro "Psalmos e Hinos"):
"Oh amante Salvador,
Sê tu meu Amparador!
Negras ondas de aflição,
Fortes ventos perto estão;
Deste espanto e do terror
Salva-me, meu bom Senhor:
E no porto faz entrar
Minha barca sem quebrar.
Consternado, nesta dor,
Sem refugio, sem vigor,
Meu medroso coração
Clama a ti por salvação
Mostra o teu imenso amor,
Oh benigno Salvador!
Única esperança e luz,
Não me deixes, oh Jesus!
Compassivo Redentor!
Vale a um triste pecador;
Vida eterna mora em ti,
Rica graça nasce ali;
Enche o débil coração
Com os dons da salvação;
E seguro, e sem temor,
Gozarei do teu favor".
O Dr. Henrique Ward Beecher disse acerca deste hino: "Preferia ter escrito este hino de Wesley - "Oh! Amante salvador" - a merecer a fama de todos os reis que em todos os tempos se têm assentado sobre os tronos do mundo inteiro. É mais glorioso!
Possui maior poder. Este hino será cantado até o som da última trombeta que despertará a milícia celestial; e então, creio, subirá nos lábios de alguns até a presença de Deus".
VII - SUA RESIDÊNCIA E TRABALHO EM LONDRES (1771-1788)
Por muito tempo João Wesley quis que seu irmão morasse mais perto dele. Igualmente por alguns anos Carlos Wesley quis mudar-se para Londres pelos mesmos motivos e outros mais. Uma das principais dificuldades era arranjar uma casa que servisse.
Quando uma senhora, Mrs. Gumly de Bath, soube que Carlos Wesley queria mudar-se para Londres, ofereceu-lhe uma casa mobiliada e bem colocada, salvo quanto à distância, pois estava um pouco afastada do Foundry, o centro metodista em Londres. Ele tinha somente que conservá-la e pagar os impostos. Esta casa agradou-lhe tanto que logo tratou de se mudar de Bristol para Londres.
1. Sua vida doméstica e social:
Carlos Wesley teve oito filhos, porém cinco morreram pequenos e só três se criaram - dois homens e uma mulher. O menor tinha quase quatro anos quando se mudaram para Londres. Chamava-se Samuel e os mais velhos Carlos e Sara. Os dois rapazes tinham dom para música e aprenderam a tocar diversos instrumentos.
Carlos Wesley dedicava muito interesse à educação de seus filhos, especialmente em música. Quando crescidos, deram concertos musicais em casa, convidando seus amigos para assistirem. Mrs. Rich servia de mediadora entre eles e os cultores da música. E foi por meio dela que eles puderam arranjar os melhores professores daquela época.
Carlos Wesley gastava algumas horas, todas as tardes, lendo com seus filhos. Tinha interesse pela vida espiritual deles. Não obrigava os filhos a assistirem os cultos nas Sociedades, mas dava-lhes o seguinte conselho: "Podereis ganhar dos Metodistas desprezados, quando não outra qualquer coisa, ao menos o conhecimento a respeito do que constitui a religião verdadeira, a saber: a felicidade e santidade; a paz e amor; o favor e a imagem de Deus restaurada; o paraíso reconquistado; um reino dentro de vós; a participação da natureza divina. Os meios ou instrumentos principais dessa fé, que é o dom de Deus dado a todos que o pedem".
2. Trabalho em Igreja:
Carlos Wesley, chegando a Londres, passou a dar seu tempo às Sociedades da Metrópole. Pregava constantemente na "City Road Chapel". De vez em quando visitava Bristol onde tinha muitos amigos queridos. Além de zelar pelas Sociedades e pelo seu trabalho pastoral, pregava aos presos e constantemente os visitava. Escreveu uma coleção de hinos apropriados para eles. Diversos criminosos foram convertidos cantando e ouvindo cantar esses hinos. No decurso de seus últimos anos seu coração continuamente ficava entristecido pela morte de alguns dos seus amigos da mocidade.
Durante esse tempo publicou diversas edições de hinos. Quarenta e seis edições diferentes. Até onde chegaram os Metodistas, ali foram cantados os hinos de Carlos Wesley. Isto se dá hoje em dia. Em quase todos os hinários hoje existentes há alguns de seus hinos.
3. Alguns desgostos que sofreu:
Não há neste mundo pessoa alguma, que, vivendo muito tempo, não venha a sofrer alguns desgostos. Carlos Wesley, dotado como era de natureza impetuosa, naturalmente sofria horrivelmente, quando encontrava qualquer contrariedade ou desgosto. Ao menos quatro coisas traziam tristezas a seu espírito sensível e poético.
Uma era o procedimento de seu irmão João, que tinha teimosia em ordenar diáconos e presbíteros a alguns de seus pregadores leigos, e o fato de o Dr. Thomas Coke, superintendente do trabalho na América, também estar revestido da autoridade de ordenar presbíteros, etc. Carlos Wesley contrariava-se muito com isto, porque não queria de forma alguma, que as "Sociedades" saíssem da Igreja Anglicana. Mas a história tem justificado a teimosia de seu irmão João.
Outro desgosto era o desejo que seu irmão João estava demonstrando de se casar com Miss Grace Murray. Neste particular ele praticou uma grande injustiça para com seu irmão, estorvando os seus planos de casamento e conseguindo que um dos pregadores de João Wesley se casasse com ela enquanto João se achava ausente numa longa viagem.
Ainda outro desgosto teve ele, quando compreendeu a possibilidade da separação das "Sociedades" da Igreja Anglicana que amava tanto. Viam-se sinais dessa separação e ele sempre lamentava a voz contra tal tendência. Mas a corrente separatista era tão forte nas "Sociedades", que ele não podia deixar de sentir que mais cedo ou mais tarde elas viriam a se separar da comunhão da Igreja Anglicana. Esse pensamento foi como uma sombra sobre o seu espírito nos dias de sua velhice.
Mais um desgosto, e este mais cruel que todos, foi o fato que um dos filhos passou para a Igreja Católica Romana. Isso deu motivo a grande regozijo por parte dos papistas, visto poderem dizer que um dos sobrinhos de João Wesley havia aceito o Catolicismo. O motivo que levou Samuel a passar para a Igreja Romana foi a música. Alguns de seus amigos músicos pertenciam a Igreja Romana; e por meio deles foi influído a passar para a Igreja Romana.
Nessa ocasião o seu tio, João Wesley, escreveu a seguinte carta:
"Querido Samuel, como te tenho tido em muita consideração desde a tua menice, tenho pensado em escrever-te com liberdade. Estou persuadido de que o que é dito em amor será recebido com amor; portanto, se não for para teu benefício, não te fará mal algum.
"Já há muitos anos notei que tinha sido do beneplácito de Deus, dotar-se de talento para a música, como também de capacidade para aprenderes muitas outras coisas e, o que é ainda de mais importância, do desejo de seres um cristão. Mas muitas vezes tenho tido dó te ti, julgando que não tens procurado devidamente o caminho certo. Não me refiro a essas ou aquelas opiniões protestantes ou romanas. Todas essas opiniões eu as coloco debaixo dos meus pés; porém, a respeito das coisas de maior peso, quer protestantes quer romanas, se errarem nessas coisas, perecerão eternamente. Receio que não tenhas nascido de novo; que sejais dessa Igreja ou daquela, não me importa. Pode-se salvar em qual quer delas. Mas tenho receio de que não sejas nascido de novo; pois se não se nascer de novo, não se pode ver o reino de Deus".
Porém Samuel nunca foi um romanista de coração. Certa vez teve uma discussão com um padre na qual afirmou que tinha o direito de julgar por si mesmo, e disse: "Os estrépitos do Vaticano não podem ser considerados como raios do céu; não me importo com a excomunhão". Poucos anos depois ele se retirou da comunhão da Igreja Romana declarando: "Não me importo com a excomunhão que os seus padres possam lançar sobre mim".
VIII - O FIM DA CARREIRA:
Carlos Wesley conservou-se no trabalho até o fim da sua carreira. O que tinha caracterizado nos outros lugares caracterizou-o na grande metrópole de Londres. Ele tinha muito interesse pelos presos e pelos pobres. Constantemente visitava os presos, especialmente os condenados à pena de morte. Não somente conversava com eles e pregava para eles, mas também escrevia hinos apropriados para eles cantarem.
A última publicação que fez foi uma coleção de hinos para os presos. Muitos entre os presos se converteram a Cristo e morreram na fé como o "bom ladrão" (o ladrão que se arrependeu diante de Jesus) que morreu na cruz.
A velhice estava se aproximando e seu fim estava perto. Muitos dos seus amigos mais íntimos passaram para o além; entre eles, o Rev. João Fletcher, o Sr. Carlos Perronet, o Rev. Henrique Piers e o Sr. Blackwell. Ele não tinha medo de morrer; somente orava para que tivesse morte suave. Os que o assistiram durante os últimos dias da sua enfermidade, testemunharam acerca de sua paciência e resignação cristã na presença do último inimigo do homem - a morte.
Um dos pregadores, o Rev. Samuel Bradburn, que esteve com ele até o fim, diz: "Ele não tinha outro incômodo senão a velhice. Quase não sentia dor alguma. Sua mente estava tão calma como o cair da noite de verão. Constantemente repetia: "Eu sou somente um pecador salvo pela graça de Deus meu Salvador".
Poucos dias antes de falecer escreveu o seu último hino. Não podendo escrever, ditou e sua esposa escreveu as seguintes linhas:
"In age anda feebleness extreme
Who shall a sinful worn redeem?
Jesus, my only hope Thou art,
Strength of my failing flesh and heart;
O could I catch a smile from Thee,
And drop into eternity".
"Em idade e fraqueza a cair,
Quem pode um pecador redimir?
Jesus, só tu podes me salvar,
Vem meu corpo e alma renovar;
Quero o teu rosto calmo ver
Antes de eu entrar no porvir".
Carlos Wesley faleceu no dia 29 de Março de 1788 e poucos minutos antes de morrer, com sua mão na mão de sua filha, disse: "- Senhor - meu coração - meu Deus!", e ainda com a mão entre as de sua filha expirou tão sossegado e calmamente que não souberam quando sua alma deixara o corpo. Caiu no sono do descanso, esperando o dia da ressurreição.
Foi enterrado no cemitério de Marylebone, que pertencia à Igreja da qual era pastor.
Hoje pode-se ver um monumento erguido sobre seu túmulo nesse cemitério, na cidade de Londres.