Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

A alegria da ressurreição

“...alegraram-se, portanto, os discípulos ao verem o Senhor.” (Jo 20.20)

1)    De uma fé perdoadora a uma fé vencedora
Verificamos na vida religiosa do povo brasileiro de tradição católica e romana um fascínio pelo tema da paixão e crucificação de Jesus. O Cristo sofredor é o rosto que habita a lembrança religiosa do povo, a tal ponto que podemos dizer ter sido um elemento decisivo na maneira de encarar a própria vida diária.


Tal figura que celebra o sofrimento de Jesus é tão profunda e foi se estendendo e enraizando nestes quinhentos anos, da colonização ao império, e dos impérios às diferentes fases da república, que o Cristo sofrido na cruz é a grande síntese cultural do cristianismo católico brasileiro, e por que não dizer latino-americano, já que este quadro se repete na América Latina. Por todo lado se celebra nas músicas, nas pinturas, nas esculturas e nas encenações teatrais ocorridas na semana chamada santa. Este Cristo sofredor, morto, derrotado, torna-se uma figura de dar pena, de fazer chorar. Aliás, choro e tristeza é o que sente o povo ao ver aquelas procissões e aquele Filho de Deus derrotado.


Sem dúvida, a morte na cruz do Filho de Deus, o Messias Jesus, é fundamental como tema teológico, e uma denúncia clara sobre a morte do inocente, tão frequente em nosso Brasil.
Precisamos denunciar que a exploração desta imagem de celebração do sofrimento e da morte marcou muito o modo de ser do povo brasileiro, pois foi usado pelos colonizadores e pelas classes dominantes para domesticar e explorar o povo. A lógica foi sempre que o mundo é lugar de sofrimento; um dia conquistaremos abundância no céu. Desse modo, cristianizou-se e sacralizou-se a morte e o sofrimento como a única forma legítima de existência cristã. De acordo com esta visão, os cristãos são chamados para serem pobres, humildes e sofredores, e, consequentemente, derrotados. Este tem sido um uso ideológico da fé cristã, que não faz justiça ao texto dos Evangelhos e dos escritos do Novo Testamento. Isso se impôs a ponto de não podermos ter nenhuma outra expectativa do Evangelho, senão a salvação no céu. Não faz justiça, pois ignora que a prisão e a morte duraram três dias, mas a ressurreição dura para sempre. É superdimensionar esses três dias e ignorar a vitória e a alegria que nos traz o domingo da ressurreição (cf. Jo. 20.20). Nossa fé não é perdedora, muito pelo contrário, é vencedora. (cf. Rm 8.37; 1Jo. 5.4).  

2)    Ressurreição e Evangelho como anúncio da alegria e da vitória
Quando lemos os textos da ressurreição, é notório o sentimento de alegria que a notícia trouxe: Maria Madalena, Pedro e os discípulos não conseguem disfarçar o sentimento de euforia de que são tomados:

“...e retirando-se elas apressadamente do sepulcro, tomadas
de medo e grande alegria, correram a anunciá-lo aos discípulos.”
(Mt 28.8).

Na ressurreição, cumpre-se a própria palavra de Jesus:

“É necessário que o Filho do Homem sofra muitas
coisas ...  seja morto e, no terceiro dia, ressuscite”.
(Lc. 9.22).

Com isso fica claro que a morte de Jesus é uma resposta de Deus e uma denúncia a problemas do pecado do ser humano, onde ressurreição aponta para o perdão, nova vida e a vitória da vida sobre a morte.
Esta realidade, vivida e anunciada por Jesus, do nascimento à ressurreição, é o Evangelho. Euanggéliou – como o próprio nome grego diz, significa: eu = bem e/ou alegria, e anggéliou = mensageiro¹. Assim Evangelho é a mensagem da alegria, literalmente boa notícia, ou notícia de bem, mas que, sobretudo, traz a alegria da salvação.


Em todo o Novo Testamento isso é experimentado e anunciado. A começar do dia de Pentecostes, ali o temor e a timidez aprisionavam a Igreja, o vento e a chama do Espírito Santo tomou conta da Igreja e a lançou nas ruas de Jerusalém, com grande entusiasmo, ousadia e alegria. (cf. At. 2.11-13). O gozo e alegria eram tão grandes no dar o testemunho de Jesus que o povo os imaginou embriagados (cf. At. 2.13).
    Para Jesus, a descoberta do Reino é motivo de alegria, assim está explícito nas parábolas do Reino de Deus (cf. Mt. 13). Ao ponto de que, na do tesouro escondido, o texto fala de

“...transbordante de alegria vai vende tudo o que tem,
e compra aquele campo.” (Mt 13.44).

O apóstolo Paulo diz na sua carta aos Romanos que o Reino de Deus é de paz e alegria, certamente seguindo o ensino de Jesus (cf. Rm. 14.7).
    Mas por que esta alegria? Certamente porque não precisamos mais chorar pela morte do nosso Senhor, como fazia Maria junto ao sepulcro, até que descobriu estar vivo aquele por quem ela chorava.
    Sim, ressurreição é alegria por causa da vitória, e porque

“...quem crê em Cristo, ainda que esteja morto viverá,
e todo que nEle crê, não morrerá eternamente.”
(Jo. 11.25-26).

Paulo, provocativamente, pergunta na primeira carta aos Coríntios:

“Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está,
ó morte, teu aguilhão?” (1Co. 15.55).

    Com isso fica provado que o Deus da Bíblia não se alegra com a morte dos inocentes. A sentença injusta sobre Jesus foi anulada pela ressurreição. Assim, pregar o Evangelho é continuar a obra de Deus, através da nossa luta contra a opressão e a morte, explícita em todo pecado e suas diferentes formas na sociedade. Nossa fé é vencedora porque servimos a um Deus que é vencedor (cf. Sl. 20.5; 2Co. 15.57).
    Nesta Páscoa deixemos nos envolver pelo clima da alegria da vitória da vida sobre a morte. Jesus Ressuscitou!  Alegremo-nos e nos regozijemos nEle.

“Assim, também, agora vós tendes tristeza; mas outra vez
 vos verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria
 ninguém pode tirar.” (Jo. 16.22)


Bispo Paulo Lockmann

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1. Coenen, Lothar, editor. Theologisches Begriffslexikon zum Neuen Testament, Wuppertal: Theologischer Verlog Rolf Brockhaus, 1971 (Há tradução em Português – 4 temas – Ed. Vida Nova).


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